terça-feira, 23 de outubro de 2012

Os escritores da descrição perfeita (Parte II)





Tema: Duelo de espadas


Problema: Matemática confusa


O rei desembainhou a longa espada e estendeu-a a frente do corpo, juntando ambas as mãos sobre o cabo cravejado de esmeraldas. Bufou para afastar as gotas da forte chuva que lhe lavava a face. De fronte a ele, o cavaleiro negro, de um corpanzil comparável ao búfalo Mata-Galo, capacete e dorso, trinchados com pinos de latão pontiagudos e o restante do corpo trançado por filetes fluorescentes de um misterioso tecido. Estavam certos os monges, pensou o rei, o cavaleiro negro buscou ajuda mágica do feiticeiro “Noves Fora”, resultando nesta vestimenta de aspecto mortífero. Da viseira onde se ocultavam os olhos do cavaleiro negro, saltava um profundo amarelo, semelhante a cera produzida pelas abelhas-azaléia, tão opaco quanto, sinalizando impiedade e julgamento iminente. Um trovão de quarenta segundos eclodiu,  tal tempo que aludiu ao eterno para um trovão, como se São José e São Boanerges estivessem arrastando a pesada mobília de São Pedro no firmamento.

Avançou primeiro a espada do rei, descendo em curva, destinada a decepar o ombro adversário e a outra espada, marcada em ambos os lados com números aleatórios defendeu perfeitamente a primeira investida. Quando o aço do império tocou o aço das trevas, os números na espada do cavaleiro negro brilharam como se tomados pelo fogo de uma forja e, um por um, voltaram à cor fria do metal, exceto pelo símbolo do numero nove, que permaneceu em brasa, evaporando incessante a chuva de sua constituição. O rei voltou os braços para trazer de volta sua arma junto ao peito e assim investiu uma vez mais com a lamina em noventa graus, veloz, para o topo da besta. A espada travou em quarenta e cinco graus de seu destino.

Nove braços com nove espadas a bloquearam ,num intrincado fractal de imobilização. O cavaleiro negro ofegava em grande vapor, extenuado pelo uso dos recém-nascidos quatro braços de cada lado do corpo e mais um musculoso braço em seu peito. Assustado, o rei recuou, fraquejando os joelhos, apoiando-se débil na espada, agora fincada no chão lodoso. As gotas tombavam com sonoro ruído na vestimenta cascuda de ambos, servindo como medida de tempo para a segunda partida de espadas. Os quarenta e cinco dedos do cavaleiro negro giravam o punho das espadas com a habilidade nata de prestidigitadores.

O rei inspirou, buscou no coração selvagem que tinha a mais brava de todas as coragens, adicionou seu conhecimento vasto na esgrima e flanqueou com um salto os cotovelos do lado direito de seu Nêmesis. Partiu os bicos dos ossos pontiagudos e então rolou o máximo que pode, assim evitando o contragolpe imediato que o cavaleiro negro, em dor suprema, desferiu. Com os quatro braços do lado direito inutilizados, sangrando em profusão, o cavaleiro negro emparelhou os cinco membros restantes e com um trote de animal ferido abriu os sulcos na lama para o terceiro encontro de lâminas.

Com a guarda da espada, o rei travou o braço que pendia do peito do inimigo e com um chute afastou o ombro direito aliviando o risco de corte por segundos que foram suficientes para decepar totalmente os quatro braços restantes. E assim perfez-se um tumular silêncio, emparelhado ao término da tempestade. Iniciou-se então a quarta colisão, o cavaleiro negro agora débil, girando o seu único braço, não mais exibindo técnica e não mais com olhar impiedoso. O rei impôs sua glória final, arrebanhando os dedos do inimigo, o punho, o antebraço, o braço, caíram como lenha no dia de maior labuta. A ponteira trespassou o coração do gigante, as esmeraldas do cabo reluziram.

Uivou o cavaleiro negro, uivou o rei, uivos díspares. Longínquo ecoava o cavalgar de uma tropa improvisada, vinda do reino para salvar seu rei. Tarde demais, no entanto, os danos não seriam somados e, com as glórias de um verdadeiro herói, construiriam uma lenda. A lenda do rei selvagem contra o cavaleiro negro de nove braços, quarenta e cinco dedos e nenhum amplexo!

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