Atanásio
acordou atrasado. Levantou-se do sofá de molas e foi ao banheiro lavar o
rosto. Aguou as axilas e as cheirou, retirou remela do olho direito e
fez bochecho com água boricada. Vestiu uma calça caqui e um blazer da
mesma cor. Olhou para o braço do sofá e viu sua tesoura de unha. Pensou
em cortar as suas, mas mudou de idéia. Pegou o jornal de cima da
televisão, botou debaixo do braço, caminhou até a porta, abriu.
Fechou
a porta e foi calçar o sapato que havia esquecido. Abriu a porta
novamente. Olhou para baixo e se agachou. Atanásio ficou a virar com as
mãos o envelope pardo que estava em frente a sua soleira. Entrou
novamente em casa. Colocou o jornal por cima da televisão, sentou no
sofá e rasgou o topo do pacote. Cheirou o interior e levou a abertura
aos olhos. Atanásio ficou pálido. Espremeu a parte aberta do envelope,
levantou-se do sofá, pegou o jornal de cima da televisão e o usou para
embrulhar tudo, numa só maçaroca. Correu até a porta e colocou aquilo de
volta a soleira. Fechou a porta.
Atanásio
ficou abatido. Foi ao banheiro e coçou o olho direito, fez gargarejo
com água da torneira. Voltou à sala, despiu-se e deitou no sofá de
molas. Dormiu. O telefone tocou e Atanásio deu um pulo. Bateu com a mão
no gancho e ergueu o fone.
- Alô!
- A Rua Laura?
- Sim...
- Zé de Lima, Rua Laura, mil e dez?
- Zé de Lima não mora mais neste endereço. Quem fala é Atanásio!
- Você é também um palíndromo?
- O quê? Eu não... Não tenho nada a ver com as maracutaias daquele bandido.
- A droga da gorda. Fique sabendo... Chegou hoje a sua porta!
- Não seu desgraçado... Me deixa em paz... Não faço parte disto. Zé de Lima foi embora daqui.
-
Escuta mequetrefe... Ai sempre foi palíndromo... E os negócios vão
continuar. A mala nada na lama. Se não colaborar, vai morrer.
A linha
cai. Atanásio descola o fone da orelha. Batidas na porta. Seu rosto fica
pálido. Caminha até a entrada e fica parado. As batidas se
intensificam. Atanásio abre. Fica encarando com olhar temeroso o homem
alto a sua frente.
- Palíndromo. – Disse o homem estendendo a mão.
Calça quadriculada,
sapato bico fino de cor gelo. Camisa pólo prata, boina vermelha.
Atanásio cumprimentou a figura, que sorriu com dentes de ouro.
- Mas quem é mesmo o senhor? – Indagou Atanásio
- Sou o Palíndromo.
E a expressão no rosto da figura encheu-se de raiva e sua mão direita voou na garganta de Atanásio. Uma mão de seis dedos!
- Onde esta o pacote?
Sufocado, Atanásio apontou para a soleira e falou cuspindo:
- Deixei no meio do jornal...
Palíndromo agarrou o embrulho.
- Eu me mudei prá cá faz uma semana, por favor, entenda... Não conheço nenhum Zé de Lima.
-
Eu sei. Estou refazendo os passos do safado. Zé de Lima arrumou um modo
de me despistar. Deixou de fazer as coisas ao contrario. Mas de uma
maneira eficaz... Não deram os mesmos resultados.
Palíndromo retirou um revolver da cintura e disparou no peito de Atanásio.
- O galo ama o lago. O lobo ama o bolo. – Declamou para a vitima.
Com a
visão turva, quase a perder os sentidos, Atanásio empurrou Palíndromo
para a rua e bateu a porta. Gotejando sangue pela sala, foi ao banheiro e
fez bochecho com água boricada. Espremeu os olhos. Deitou no sofá sem
retirar a roupa. O sangue se esvaia. Dormiu.
Atanásio
acordou empapado em suor. Olhou para o relógio da parede, faltavam
quinze minutos para o galo cantar. Estava adiantado. Levantou-se e tirou
a roupa. Nenhum sangue, nenhum ferimento. Permaneceu apenas com os
sapatos e foi ao banheiro. Jogou água boricada nos olhos e raspou a
língua com as unhas. Voltou à sala e jogou o jornal no chão. Ergueu a
televisão e a colocou debaixo do braço. Abriu a porta. Deu de cara com
um homem colocando um envelope pardo na soleira.
- Quem é você?
- Zé de Lima.
- Por que esta colocando essa porcaria aqui?
- Por que esta de cueca, sapato e uma televisão no braço?
Atanásio
quebrou a televisão na cabeça do Zé de Lima. O elemento caiu
desfalecido no chão. O tal de Palíndromo saiu da penumbra, sorrindo.
- Não
adianta mudar a ordem dos fatos. Os resultados estão sendo os mesmos. A
parte que me agrada é que, consegui encontrar Zé de Lima... Praticamente
inevitável.
O telefone tocou. Palíndromo empurrou Atanásio da porta e atendeu.
- Zé de Lima, Rua Laura, mil e dez?
-
Aqui é o Palíndromo. Pode se tranqüilizar. Consegui o pacote e o Zé.
Anote a data da inversão. Diz pra gorda que a encomenda chega hoje. A
droga da gorda.
Palíndromo
bateu o fone no gancho e ao virar o corpo, Atanásio encaixou a tesoura
de unha no segundo dedo mindinho do polidáctilo, que deu um berro de
dor. Palíndromo olhou para o chão e viu seu dedo se debatendo, e de sua
mão o sangue a jorrar do vazio recente. Palíndromo olhou para o teto – O
céu sueco! - e desabou.
A
madrugada estava chegando ao fim e os primeiros raios de sol batiam no
rosto de Atanásio, que caminhava pela avenida, ainda sem roupas.
- Senhor, vai ter que nos acompanhar! Qual seu nome? – Perguntou o policial que abordou Atanásio.
Ele apenas respondeu:
- Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos!
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