segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Cardápio de Risco


d(゚ー゚)b゚ Escola do Cervejismo Mágico d(゚ー゚)b゚

¨¬ Lúpulo é!
(Xinto Senpa - ano?)



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Apre"hic"senta:

ᕗ Cardápio de Risco ᕗ

"Grill do Marketing"

Pare na padaria e tome 01 garrafa de cerveja. Quarta feira é dia de amostra grátis. Passe no açougue e solicite que o garçom (sei lá como chama o cara que fatia lá) corte uma picanha previamente selecionada daquelas embalagens à vácuo, em fatias finas. Rume até a dona dinda que está grelhando um pacote de linguiça defumada da Perdigão e experimente um dos gomos que estão fatiados na bandejinha. Exclame: "Hummmmmm", sorria, puxe um papo fuleiro e coloque a picanha na ponta direita do balcão. Utilize uma nota de dez reais dobrada com simetria e a coloque no bolso do casaco da dona dinda. Em seguida deite de três a seis fatias na grelha. Busque uma farofa e uma pimenta tabasco. Sorria para todos, convide senhoras para degustação. Após fartura, fazer check in na passadora de cafezinho Pelé.

Tempo de preparo: 15 minutos
Dificuldade: ❍ ❍ ❍
Periculosidade: ❍
Gastos: ( ゚ Д゚)ノ[ ($) ]
Tipo de Mercado: Hiper Mercado


"Bebes e comes no domingo"

Pare no boteco e tome 24 latas de cerveja. Vá ao Super Mercado de sua preferência. Pegue 01 doritos, 01 amendoim japonês e mussarela em cubinhos. Procure um tubo de Pringles e o esvazie na sessão de pneus. Esmigalhe o doritos com um martelo (próximo a sessão de pneus) e encha meio tubo com esse material. Complete com o queijo em cubos e amendoim japonês. Rabisque o rótulo do pringles para envelhecer a embalagem e dar um "migué". Colha 01 Taffman E, 03 yakults, 01 litro de suco de laranja Xandô, vá até a sessão de eletrônicos e sente-se diante da tv de de 150 seiláoquê de polegadas, a mais gigante. Assista o Fla-Flu, ou seu clássico do coração, pesticando deste improviso.

Tempo de preparo: 5 minutos
Dificuldade: ❍ ❍ ❍ ❍ ❍
Periculosidade: ❍ ❍ ❍ ❍ ❍ ❍ ❍ ❍ ❍ ❍
Gastos: ( ゚ Д゚)ノ[ ($) ] [ ($) ] [ ($) ]
Tipo de Mercado: Super Mercado


"Lambuze"

Vá direto ao mercado. Enfrente os 10 minutos de fila na televisão de cachorro e escolha um frango meio torrado. Aceite que o garçom (sei lá como chama o cara que corta frango) destrinche a galinha. Passe na panificadora e escolha a baguete (com ou sem gergelim). Ande por todos os corredores do mercado, quantas vezes for necessário, até estar satisfeito, intercalando nacos de frango e nacos de baguete. Arrote na saida, vá direto ao boteco, use e abuse do papel para deslambuzar os dedos. Arremate com quatro latas de cerveja.

Tempo de preparo: 10 minutos da fila
Dificuldade: ❍ ❍
Periculosidade: ❍ ❍ ❍ ❍
Gastos: ( ゚ Д゚)ノ[ ($) ]
Tipo de Mercado: Mercado


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d(゚ー゚)b゚ Escola do Cervejismo Mágico d(゚ー゚)b゚

"Só vomita quem te imita" (Sócrates) (゚×゚lll)

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Disneybomba (Dia D)




As trombetas do apocalipse não tocaram quando o Pluto explodiu seu colete de dinamite na Disneylândia. O jovem que havia sido contratado para se vestir de Mickey ficou preso no abafado traje parcialmente derretido e grudado em sua pele. Ele cambaleou até os escombros do que sobrou da Casa dos Sete Anões, buscando por água. Após descolar os dedos do cadáver, de um dos sete figurantes anões, de um cantil de alumínio, o jovem trajado de Mickey tentou derramar o liquido por dentro do vão dos olhos para que escorresse até sua boca. Neste momento alguém se aproximou por trás. Uma criança, com a boca esfolada e vertendo sangue em abundância, segurava um revólver nas pequenas mãos, apontado-o para o Mickey.

"Você está sorrindo?"


Mickey tentou responder, mas sua garganta estava inchada e a língua seca, a voz falha produzia apenas um fino assobio.

"Meus pais morreram e você está sorrindo..."

O cantil se movimentava nervosamente na mão trêmula do Mickey.

"A Disneylândia matou meus pais?"

Outro assobio de voz, Mickey deu um passo para frente. A criança recuou.

"Eu quero saber por que você está sorrindo..."

A criança chorava, as lágrimas passavam pela bochecha chamuscada e se juntavam ao sangue. Mickey deu mais um passo e pisou em metade de um tronco de mulher.

“Você pisou na minha mãe!”

A criança ergueu a arma. Mickey retirou o pé do corpo da mãe da criança e se agachou lentamente.

“Mickey! Você tá dando risada. Você tá rindo da mamãe”.

A arma vacilou na pequena mão. Mickey largou o cantil e avançou novamente. A criança aprumou o revólver com mais firmeza. Mickey estancou à poucos centímetros do cano. Por cima da criança havia um policial empalado por uma viga de concreto. Mickey deduziu que a arma era real. A criança se enfureceu, soluçou e chorou copiosamente.

"A Disneylândia matou meus pais... Matou meus pais. Você tá dando risada."

A criança virou o rosto para o lado. Mickey sentiu que era a hora do disparo. Não sabia o que fazer. Ergueu as mãos. O Pato Donald despontou de um amontoado de brinquedos queimados, segurando uma espécie de gatilho. Neste instante, um zunido ecoou e a criança se partiu em vários pedaços, em seu lugar, tomou forma uma imensa bola de fogo que engolfou a sorridente grande cabeça de pelúcia do Mickey. Ele voou por alguns metros e antes de perder por completo os sentidos, viu o Pateta ajudando a Minnie a apertar outro colete de dinamite em seu peito. O sorriso da fantasia pegou fogo e, pouco a pouco, entortou em sinal de tristeza.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Feudal



Yodel, era de Abacaxi.
Imperador Tsuchimikado, era de Kamakura

‎1198-1210
Arts Insolites HOJE e não AMANHÃ

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Patos, patos, patos



O velho assistente Douglas Matrato apertou a fivela de arame da gaiola de patos e a ergueu com  esforço na traseira da caminhonete.

- Madame Rita Rica Sá aguarda-nos, pontualmente, para as dezoito horas.

A camisa pólo do velho assistente, em listras azuis e amarelas, agarrou-se de tal forma à gaiola que se desfez quase por completo quando a estrutura quicou na borracha do veiculo. O psicoterapeuta Marcus Bono Pino, formando da turma de 58 na universidade Bobone, com três de quatro citações possíveis no quadro de prodígios mantido pela instituição, levou três dedos finos e brilhosos à frente de sua boca. Emitiu um estalo agudo que por toda sua vida foi o máximo de que poderia expressar numa risada.

- Vai ter sopa?

O doutor girou a aba do seu panamá e bateu a ponta da bengala no chão, arremessando três pedrinhas em seqüência, razoavelmente longe.

- Mas obviamente teremos sopa, caviar, lagosta e mais. Exceto pato, definitivamente não os teremos. Não mencione patos, não discuta patos, não aluda a patos, não cheire a pato, não se movimente como pato.

O velho fechou a tampa e fungou suas axilas.

- Impossível não cheirar igual a estas aves depois de carregar mais de trinta gaiolas. Passemos em casa e tomarei uma ducha.

- É compatível – Respondeu o doutor conferindo seu Dumont. 

Dezoito horas na mansão da Madame Rita Rica Sá. A construção de ares coloniais, isolada da vizinhança por metros e metros de um jardim bem podado e diversificado, ladeado por dois caminhos de pedra mármore, um rústico para veículos e outro polido, para elegantes passeios ou saídas furtivas para a cidade. Postes de ferro se multiplicavam em tamanhos diversos para sustentar os globos de iluminação, alternando a luz até a entrada principal.  

“Pim, Pim, Póm, Póm, Póm, Pim”. 

Soou a campainha.

Abriu a porta um homem baixo e careca, vestido num puído casaco de camurça, um jornal debaixo do braço e careta de poucos amigos.

- Boa noite.

- Doutor Marcus Bono Pino, psicoterapeuta cinco estrelas.

- Boa noite e até breve, doutor.

O pequeno homem caiu ligeiro pela esquerda, tão rápido quanto à seca saudação, abandonando o psicoterapeuta cinco estrelas e seu assistente. Prontamente o “ploc, ploc” dos saltos da Madame Rita chegaram até a entrada.

- Doutor, que prazer recebê-lo em minha humilde residência. Como me foi instruído, dispensei Weberklein, o mordomo, que acaba de passar por vossa pessoa. Também liberei as demais criadagens, Alzira, a cozinheira, Almir Cavalo, o jardineiro e Toloco, o meu descanso de pernas.

- Perfeito, minha cara Rica.

Atravessaram em marcha imperial por dois extensos corredores ornados por quadros de Miró e Cavalcanti. As portas, coadjuvantes do trajeto, todas elas cerradas e rotuladas com pequenas placas, advertiam que “Esta noite é a noite da superação”. Por fim, despontou a sala de jantar.

À meia luz de candelabros italianos, a mesa de vidro retangular coberta por um delicado linho de cor vermelha, os pratos de porcelana grega repetiam o padrão de pintura, três damas segurando ramalhetes de açucena num campo verde, esperando a sopa, a salada ou a carne. As panelas de bronze também já dispostas liberavam o aroma da culinária. Sem os serviçais, cada um colheu o seu bocado entre variadas opções. Doutor Marcus rodeou o tablado servindo o cabernet sauvignon.  

- Quando quiser doutor, estou preparada para a parte pratica.

Na saleta da lareira, doutor Marcus Bono Pino riscou o terceiro fósforo para dar continuidade à brasa de seu cubano.

- Ao assinar este documento, madame, estará concordando com o procedimento psicoterápico que empreenderemos nesta noite. Estará sujeita a todas as metodologias que aplicarei.

Ela apertou o vestido violeta e sentou-se com os quadris largos no braço da poltrona oposta ao psicoterapeuta.

- Confio em todo seu histórico de curas. Confio em teus altos custos. E me entrego, apesar do terror que me toma às suas experiências.

- Veja bem, o que farei aqui é altamente experimental. Acredito que tua aversão seja, talvez, a mais ficcional que já lidei. Não existem, até o momento, registros ou estudos profissionais de tua desordem. Acredito que a madame está sendo induzida pela fantasia de um escritor, um desenhista qualquer, que tenha feito alusão ao tema e este passou pelos seus olhos de forma galopante. Cá estamos para trazer-te ao mundo real.

O doutor espremeu o charuto no cinzeiro de pedra e caminhou para fora da saleta, parando na porta ao lado de seu assistente.

- Confronte, sem agressividade. Confie em si mesma. Você é forte e nada vai te abater. Fique em teu quarto até as vinte e duas horas. Saia e ande por toda a casa, ou até onde puder ou ter vontade. Vemos-nos às oito da manhã. Não se esqueça dos exercícios de respiração.

A mansão, em contagem regressiva para as dez horas da noite, recepcionou a marcha de patos desengonçados, que o velho assistente Douglas Matrato desembocou pela porta da dispensa.  

- Vamos topetudos, entrando, entrando. Patinho, patão, pata, patona.

E “quá, quá” pra lá e pra cá. “Quá, quá”, entrou casa adentro. Grasnaram cada vez mais alto os patos do mato.

Numa guarita, da entrada próxima ao portão, o psicoterapeuta, doutor Marcus Bono Pino montou guarda e observou de binóculos as janelas amplas da casa. Dez horas badalaram. Madame Rita Rica Sá calçou sua pantufa de veludo e apertou a cinta de seda da camisola púrpura. Respirou fundo e abriu a porta.

Douglas lançava por todo o andar debaixo punhados de insetos, moluscos, peixinhos, e grãos. Bateu os braços, curvado ao chão e os patos trombaram uns nos outros e nas paredes, desordenados, sempre adiante. Pedaços de batata no pé da escada. Dez horas e dez minutos, era hora de cair fora.



- Os procedimentos foram executados?

- Certamente, doutor.

- Fechou a porta da dispensa?

- Esqueci, doutor.

Doutor Marcus espremeu as linhas de sua testa e Douglas girou os dedos impaciente, ciente de sua falta.

- Volto lá?

- Não, deixe. Estarão os patos distraídos com a comida.

Deixados os patos e a comida, restou a madame Rita apalpando o corrimão com as palmas suadas. “Flap, flap”, ela escutava logo abaixo.

- Asas! Óh, Deus, o ruído de asas!

O coração da balzaquiana trotou ligeiro, vibrando sua garganta. A respiração soprou na boca seca. E pequeninos olhos negros como caroço de mamão despontaram no último degrau. A madame soltou um tonificado “Úúú” pela boca, recostando-se na parede. O pato mascava meia carcaça de peixe.

- Olhando minhas pernas. Maldito a olhar minhas pernas.

Ela contorceu-se, os nervos paralisados. Inspirou e expirou. Lembrou das inúmeras passagens pelo consultório do terapeuta, o plano para um confronto cara a cara com o motivo de sua fobia.

- Hoje ou nunca. Vamos lá, Rita Rica Sá.  

Deu quatro passos e pulou direto ao quinto degrau da escadaria. Infelizmente escorregou em um agrupamento maligno de mexilhões. O desbunde acabou já no corredor térreo, atiçando cinco topetudos que esvoaçaram como puderam para não serem esmagados. Rita, de face amarela, ergueu-se levando alternadamente um pulso e logo o outro pulso em direção a testa.

- Ai de mim. Não consigo mais. A dor, o horror.



O horror, logo o panorama do inferno grafou-se em sua frente, por todo o lado. Patos, patos e mais patos. “Quá, quá, quá”. O grito alcançou a guarita e despertou o doutor Marcus e seu velho assistente Douglas Matrato.



- Opa, começou. Opa, vamos lá.

- Doutor, como faremos?

- Não faremos nada até as oito da manhã. E já fomos pagos. E mais do que todo este trabalhão, teria que cobrar mais e a mulher está falindo, com seus quadros e toda sua gordura.

Posto que o doutor nada fizesse, Rita afogou-se num ataque de pânico. Gritou e correu como os próprios patos do mato, selvagem e balançando seus pés desengonçadamente com o veludo fino das pantufas resvalando nos bicos duros e sujos dos bichos.

- Vencendo a anatidaefobia, vencendo a ornitofobia. Eu estou! Eu estou!

Louca, com os olhos de caroço de mamão por baixo de sua camisola, tentando conquistar suas coxas. Sentiu a primeira bicada, um belisco leve e o grasnar da vitória dos patos. “Quá, quá, quá”!

- Ainda não!

Chutou a bunda de três patos retardatários que se empanturravam com milho, derrubou dois Miró e quatro Di Cavalcanti. Finalmente, esbaforida, cruzou a sala de jantar e deitou na mesa de vidro. Caiu a louça grega no chão, coisa que irritou os patos. “Quá, quá, quá,quá,quá”.  

- Socorro, doutor Marcus. Socorro, bom doutor.

A súplica chegou redonda na guarita e prontamente Douglas levantou-se.

- O que está fazendo, meu velho?

- Oras, não ouviu?

- Ouvi algo que faz parte dos tratamentos mais ousados e bem sucedidos. Continue o pife. Vamos, meu velho.

Os patos abriram um semi-circulo ao redor da mesa e interromperam a nojenta refeição no meio da bagunça. Madame Rita deslizou na mesa encharcada com abundante suor, ao tentar se por de pé. Ouviu então um grasno cavernoso e mais outro e outro. Saltaram das estantes de cristais, os patos mutantes, medonhos, gigantescos.


Os patos gordos, que alimentam grandes famílias, saltaram com suas carecas vermelhas e o peito explodindo em um marrom opaco. Caíram em pares na mesa de vidro. O pranchão, tão grosso, não suportou o bombardeio e partiu-se em quatro, levando ao chão estilhaços, Rita e os patos gigantes, suculentos, mutantes. “Ao ataque” diziam aqueles olhinhos diferentes, azulados, craquelados.

- Cruzes! Santo Antão.

Rita Rica Sá teleportou-se da sala de jantar, com cortes por todo o corpo, descabelada, espavorida. Como um trem bala, zuniu na cozinha e agarrou o primeiro cutelo pendurado ao lado dos famosos salames da colônia de Witmarsum.

- Desgraça fedida.

Varava o vácuo, tilintando em panelas. Com pequenos avanços, patos loucos foram golpeados e sucumbiram por cima de batatas e temperos. Penas duras salpicaram o campo de batalha.

- Vencendo a anatidaefobia, vencendo a ornitofobia. Eu estou! Eu estou!


A grande pata choca, enfurecida com a morte de seus amantes, galgou até os peitos da Madame louca e os buzinou com um bico voraz. As unhas de Rita, esmaltadas em rosa grená, estrangularam o pescoço da ave e esta borbulhou vestígios de ração até o último grasnopiro, o derradeiro suspiro dos patos amaldiçoados.  

Já em frangalhos, o medo corrosivo das criaturas destrambelhadas, deu lugar ao ódio, a fúria, a coragem de uma mulher posta em grande perigo mental. Agarrou o pequeno botijão de uma lamparina empoeirada e riscou o cabeçote do fósforo. A mulher e sua tocha, endemoniada pela casa, soltando os lampejos do bafo do capeta nas penugens do caminho. A luz do fogo destacou-se nas janelas e a silhueta chamou a atenção dos vigias.

- Esplêndido, Douglas. Como uma pintura em um churrasco caipira. A mulher finalmente assumiu o comando.

Oito horas da manhã. O psicoterapeuta Marcus Bono Pino encaixou o chapéu panamá e flutuou como um lorde até a dispensa da mansão. Douglas saiu de dentro da casa e reportou a situação.

- As paredes chamuscadas, a tapeçaria em frangalhos. Objetos inúmeros, em cacos. Incrivelmente, todos os pobres patos mortos. Alguns varados por flechas, outros tostados, decepados, retorcidos, pisoteados, depenados, alguns pendurados e torturados com grampos. Na cozinha, há um pato com ervas e batatas, parcialmente cozido.

O doutor espargiu sua risada afetada de um só estalo. Bengalou três pedrinhas no chão e ergueu uma samambaia que estava caída na saída da dispensa.

- E aqui está a corajosa, a vencedora, madame Rita Rica Sá. Descansando em sua glória.

Rita afastou o cabelo de seus olhos e sorriu com dentes trincados. Douglas empunhou o braço vermelho dela e endireitou-a de pé.

- Parabéns, madame. O caminho era de pedra e você foi uma das poucas a traçá-lo.

Ela piscou inúmeras vezes antes de se pronunciar.

- Patos, patos, patos. Adeus patos. Adeus doutor. Curou-me. Recomendo-te. Teu custo alto me salvou. Recomendo-te. Melhor não há. Patos, patos, patos. Melhor não há. 

Com uma gorda gorjeta em mãos, o velho assistente Douglas deu a partida na caminhonete. O psicoterapeuta  satisfeito, bocejou sonolento. E a madame, ela espalhou aos quatro ventos sobre os bons serviços prestados. Dizia sempre, no chá da tarde, em meio à reforma da mansão, para seletas amigas.

- Não se afobem em manias, não se percam em fobias. Ele é bom e eu recomendo. Quer mais uma fatia, Madame Blavatsky?


***

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

[Soletramento de Palavras]



É o que estava escrito na plaquinha da garagem aberta no numero 66 da Rua Apesares Cunha. Que, por ser ao lado da oficina de costura da Dona Diana, me aguçou a curiosidade. Deixei uma calça para acertar em dois dedos a barra e fiquei olhando o interior da garagem.

Uma mesa pesada, toda em madeira escura que cheirava de longe a óleo de peroba, uma cadeira remendada com pedaços de borracha disposta ao lado da mesa, quadros de antigas propagandas de tubaína preenchendo grande parte da parede descascada com cor de verde-desmaio.

Parado em um dos cantos, me observava um senhor de camisa social branca socada uniformemente na calça marrom, sapatos que também recendiam a óleo de peroba, as mangas dobradas até o cotovelo, girando uma bola de madeira lisinha contra um pedaço de estopa, aparentemente embebido em... Óleo de peroba.

- Estou em vias de trocar essa cadeira velha.

Surpreso com a fala do velho senhor, dei um passo para trás, sorrindo para amenizar a sensação de intrometimento que me assaltou.

- Ela combina com a parede descascada.

“Poxa, como assim?” Foi o que pensei por responder deste modo zombeteiro, mas o velho senhor deu um riso acolhedor que ergueu seu gordo bigode cinza escuro até os tufos de cima aninharem-se nas narinas.

- Tem dificuldade em alguma palavra, rapaz?

O velho senhor pousou a bola de madeira no tampo da mesa e aproximou-se de mim. Cocei a cabeça em sinal de dúvida.

- Dificuldade com palavras?

- Sim, veja só na placa: “Soletramento de Palavras”.

Achei graça com o inusitado cenário.

- E como funciona?

Ele pôs uma das mãos em meu ombro e com a outra levou até a frente do meu rosto uma espécie de cardápio, tão rapidamente que não consegui descobrir de onde havia pegado aquele papel.

[Soletramento por palavra R$ 5,00]
[Palavra estrangeira R$ 12,00]
[Encaixe de neologismo R$ 45,00]
[Junção de palavras R$ 5,00]
[Entropia Canalha à moda antiga R$ 120,00 por lauda]

Acabei por segurar o cardápio por mim mesmo e com muita curiosidade apontei para o que parecia ser o carro chefe da casa, o dito “Soletramento”.

- Muito bem, que palavra lhe aflige?

Vasculhei a mente colegial para pegar uma palavra qualquer que metia-me em apuros vez por outra.

- Excomungado!

- Como é?

- Excomungado!

- Comece a soletração dela para que eu investigue seu problema.

Já havia, mais de uma vez, muitas vezes, consultado o modo correto de escrever excomungado, seja em dicionários ou internet. Mas resolvi sacanear um pouco com aquela estranha prestação de serviço.

- E, S, C, O, M, U, M, G, A, D, O.

Ele ouviu e foi direto para a parte de trás da mesa. Voltou arrastando uma tina cheia de água. Colocou a cadeira remendada de frente com a tina. Sorri e cruzei os braços esperando o movimento seguinte.

- Rapaz, seu caso com essa palavra é grave, sente aqui na velha cadeira. Pode sentar que ela é firme.

Sentei para ver a mágica. O velho senhor pôs-se de pé ao meu lado, ambos olhávamos para dentro do recipiente. Foi então que ele segurou firme minha nuca e, com um empurrão, fui com metade do dorso pra dentro da tina. Foi tão repentino que acabei engolindo muita água, pela boca e pelo nariz. Voltei com tudo para a cadeira, mas não consegui levantar, por conta do choque. O velho senhor me fitava sério, coçando o bigode com a ponta dos dedos da mão esquerda.

- Soletre novamente sua palavra.

Balbuciei a palavra de maneira correta.

- E, X, C, O, M, U, N, G, A, D, O.

Então ele deu um grande sorriso e me levantou de uma vez.

- Pois veja só, rapaz, não vai esquecer como funciona a palavra.

Agradeci enquanto apertava uma toalha azul extremamente fofa oferecida por ele.

- Só cinco reais, por favor.

Dei a nota.

- O senhor sabe que soletramento não está correto?

Dito isso, ele chutou a tina com água até minha canela e socou minha barriga. Assim que me curvei em dor ele pressionou com ambas as mãos minha cabeça em direção a água.

- S, O, L, E, T, R, A, M, E, N, T, O.

E me soltou. Cambaleei até a calçada com vontade de correr daquele lugar. O velho senhor havia voltado a lustrar a bola. Olhou-me e com um dedo em riste deu um recado:

- Por conta da casa!

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Cigarros & Mariposas

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( ◔̯ ◔ ) - Cuidado com o que interpretam
sob o efeito desta droga!

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† Aqui JAZ

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O intercâmbio do TERROR


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"Prezado cliente e amigo.

Em prol de alavancar a estima e a produtividade dos monstros folclóricos ao redor do mundo; para globalizar o Dia das Bruxas; para quebrar as barreiras estúpidas que os ufanistas impõem, venho por meio desta carta apresentar o programa de intercâmbio maligno e vilanesco: Conexões Infernais.

Nossa empreita dedica-se a arbitrar todo o trajeto da viagem de um monstro para que ele possa sair de seu lugar de origem e assombrar, matar, surrar, comer, amaldiçoar, enfeitiçar, queimar, defenestrar, corromper, admoestar, etc, muitos seres humanos em outras paragens que não as suas.

Oferecemos passagens de primeira classe no meio de transporte que desejar: avião, trem, ônibus, carro, cavalo, carroça, caixão, formol, roadie de banda, moto, jumento, pé de vento, tsunami, etc. (Preços especiais para viagem através de possessão)

Somente a Conexões Infernais oferece hospedagem com o melhor custo beneficio que se pode ter, além dos hotéis padrões, há a possibilidade de estadia em grutas, ocas, cavernas, terreiros, cemitérios, prefeituras, calabouços, castelos, presídios, Projac, igrejas, livrarias, acampamentos indígenas, etc.

E tem mais...

Pensando em dar um incentivo especial, criamos, em conjunto com a Associação das Bruxas Listradas, mais esta opção no pacote de viagem: Comida Personalizada.

Seja qual for a dieta horripilante que você prefira, esta será feita e condicionada em marmitas padrão. Dentre uma vasta lista, temos de principal: sangue fresco, sangue coagulado, pedaços diversos de humanos fritos e empanados, folhas, raízes, macumbas, merdas texturizadas, virgens, recém nascidos, políticos, unicórnios, ratos, insetos, arroz podre, feijão podre, bife podre, batata frita podre, bacon, etc.

Destinos de matar!

A idéia principal é a interação com culturas diferentes. Com o prévio agendamento, poderá consultar um de nossos guias, para conhecer as vantagens e surpresas de trocar de lugar com outra aberração. Sim, isso mesmo, trocar!

Poderá, por exemplo, conhecer a Romênia e se hospedar no castelo do Conde Drácula, enquanto o próprio Conde Drácula visita o seu país, dorme na sua casa e suga os seus vizinhos.

Trocar uma perna e um braço na maca de Frankenstein. Ou, se não puder ir longe por conta de deformidades, aprofundar-se em terras familiares, caçando índios na Amazônia do Curupira, assombrando os pampas na terra do Boitatá, quem sabe uma descida ao próprio inferno* (*Preços $ Especiais) e muitos outros destinos amaldiçoados".

Não perca tempo, conjure um demônio agora mesmo e peça uma avaliação!

Conexões Infernais -  Onde quiser, pra praticar todo o mal que puder!


Atenciosamente.

Diabo ۞
ζ |||々°

***

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Compensatória ambiental




Um madeireiro inescrupuloso foi demitido e saiu da floresta. Morando na cidade, desempregado, resolveu aproveitar o tempo cultivando tomates cereja em caixotes de madeira. Foi à marcenaria comprar material.

"Gostaria de um caixote de madeira compensada"

O marceneiro, que trabalhava apenas com madeira ecológica, reconheceu o sujeito.

"Então quer madeira compensada? Sabe que é de reflorestamento?"

"Sim, oras, tanto faz. Quero um caixote de madeira compensada".

O marceneiro então foi ao estoque e voltou com um caixote pesado, bem acabado, e com um carimbo de procedência na lateral.

"Olhe só! Um belo caixote, mas agora a madeira dele ainda será compensada!"

O madeireiro inescrupuloso abriu um meio sorriso e ergue ambas as mãos em sinal de quem não havia entendido.

"Hey, não queira me enrolar. A madeira já foi compensada, amolecida em vapor, posta num torno, seca, colada e aquecida. Conheço o procedimento."

O marceneiro fechou o semblante.

"Sim e não. Há outra compensação para se tornar um caixote de madeira compensada!"

"Então me mostre!"

Ele ergueu o caixote e o desceu com força na cabeça do madeireiro inescrupuloso. Dos pedaços que sobraram em sua mão passou a bater com violência nas costas do outro. E surrava a carne com veemência até o madeireiro cair no chão. Largou o toco no chão e limpou as mãos, esfregando uma contra a outra.

(╯°□°)╯︵ ┻━┻ ლ(ಠ益ಠლ)

"Eis aí uma madeira verdadeiramente compensada por todos os anos de contrabando de toras na floresta".

O madeireiro se levantou e saiu correndo. Foi até uma praça, mastigou uma porção de tomates cereja e assim enterrou sua cabeça na terra. Após seis meses, virou um enorme pé de tomate cereja. Visitado por turistas e aprovado com um selinho ecológico.

sábado, 27 de outubro de 2012

Circular de Ernest Sling Short

Ministério de Relações Digitais comunica:

A internet recebe um novo sistema de endereços virtuais. Agora é aceita a utilização de Ç (cedilha) na barra.

Altera-se o inciso II do artigo 669º do Regimento Público de Dominios dentro da WEB. Efetivando pelo proposto a disposição imediata de recursos criptográficos dentro dos programas compativeis, de modo a legalizar e por em beneficio imediato, a

partir da data que segue este memorando, a colocação e eficiência da colocação da letra pertencente ao alfabeto nacional nomeada como C (ce) adjunta ao traço caracteristico nomeado como cedilha (ç/Ç), para exponencial abrangência da variedade comunicativa de nosso país.

Salvaguardados os direitos de livre expressão da linguagem, no uso da competência que lhe é conferida, o regimento acima citado passa a vigorar neste momento de sua publicação.


Atenciosamente, Ministro Lotar Amarante Osmar

Lo*%)ar*Os(#&ar
Outubro de 2012

  Corregedoria do Facebook - Ernest Sling Short 2010/2012 ©

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Chopin Claude Van Damme

PIANÍSSIMOS apresenta:

Chopin Claude Van Damme - Issumemo Nocturno Double Kick


ಠ_ರೃ
 
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╰(゜Д゜)╯ ÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ

péin péin pin pin pin pin póin

RESPIR - Pelo direito de viver sem ar.



Grupo de ativistas luta pelo direito de respirar outra coisa que não o ar.


George Caldwellin, fundador da ONG RESPIR, afirma que há quatro anos reúne adeptos para tornar visível sua causa. O grupo, que conta com mais de cinquenta integrantes, procura patrocínio para pesquisas científicas que busquem alternativas para a sobrevivência sem o oxigênio.

" Chega! Nós estamos cansados de respirar O2. Simplesmente não gostamos disso. É como não gostar de giló. Não importa se é ar 100% puro, ou ar poluído, com ou sem cheiro, não importa. A ditadura do oxigênio é um grande atraso para evolução humana. " Eliane Claus - Médica de 34 anos.

O grupo anti-oxigenio se chama RESPIR em alusão ao ato de respirar, no entanto, sem "ar".

"Já temos divisões no grupo. A parte mais tradicional tem por ideal apenas a substituição do combustível humano, por exemplo, ao invés de oxigênio, respirarmos enxofre ou talvez hélio. A outra parte, mais radical, não quer mais manter o pulmão ativo, buscando meios de viver sem esta função." George Caldwellin - Dançarino - 44 anos.

O grupo RESPIR  já tem uma caminhada em protesto marcada para o inicio de Novembro em frente ao Palácio das Bandeiras em Brasília.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Criptofuturismo

Se em 2.135, óbviamente, nenhum de nós estará vivo. A cultura que conhecemos estará? Em 2.135 jovens terão por esporte a caça da nossa cultura.

Pequeno trecho de uma anomalia interpretativa dos achados do século XXI em 2.135

Universitários estarão ainda em busca de novas drogas recreativas, buscarão principalmente o resgate de novas velhas drogas do nosso agora. Um pequeno grupo resgatará tutorial obscuro sobre lâmpadas halógenas. Um PDF truncado de dificil descompactação, eletronicamente rasurado por nano-celulas de internet viva deixara apenas trechos técnicos e nada reveladores do que é uma lâmpada, também pouco sobre o conceito de halógena. Ilustrações de gama incorreta sobre intensidade de luz, somadas a teórica embaralhada serão somatizadas aos textos descobertos que dizem respeito aos mantras, a yoga e a maconha. A intersecção dara origem ao Deus Halógeno, Portador da Lâmpada Ôm. Grupos de crânios irão virar dia e noite a tentar chegar no primórdio da fabricação das luminárias corretas. O ato de chupar a lâmpada acesa assolará muitas nações proeminentes e será decretada a volta da psicodelia, movimento que terá como simbolo a figura coletada por Kevin Neiter, um poster carcomido com a foto do Gugu Liberatto.

Buscou a visão: Astro Miau

Os escritores da descrição perfeita (Parte II)





Tema: Duelo de espadas


Problema: Matemática confusa


O rei desembainhou a longa espada e estendeu-a a frente do corpo, juntando ambas as mãos sobre o cabo cravejado de esmeraldas. Bufou para afastar as gotas da forte chuva que lhe lavava a face. De fronte a ele, o cavaleiro negro, de um corpanzil comparável ao búfalo Mata-Galo, capacete e dorso, trinchados com pinos de latão pontiagudos e o restante do corpo trançado por filetes fluorescentes de um misterioso tecido. Estavam certos os monges, pensou o rei, o cavaleiro negro buscou ajuda mágica do feiticeiro “Noves Fora”, resultando nesta vestimenta de aspecto mortífero. Da viseira onde se ocultavam os olhos do cavaleiro negro, saltava um profundo amarelo, semelhante a cera produzida pelas abelhas-azaléia, tão opaco quanto, sinalizando impiedade e julgamento iminente. Um trovão de quarenta segundos eclodiu,  tal tempo que aludiu ao eterno para um trovão, como se São José e São Boanerges estivessem arrastando a pesada mobília de São Pedro no firmamento.

Avançou primeiro a espada do rei, descendo em curva, destinada a decepar o ombro adversário e a outra espada, marcada em ambos os lados com números aleatórios defendeu perfeitamente a primeira investida. Quando o aço do império tocou o aço das trevas, os números na espada do cavaleiro negro brilharam como se tomados pelo fogo de uma forja e, um por um, voltaram à cor fria do metal, exceto pelo símbolo do numero nove, que permaneceu em brasa, evaporando incessante a chuva de sua constituição. O rei voltou os braços para trazer de volta sua arma junto ao peito e assim investiu uma vez mais com a lamina em noventa graus, veloz, para o topo da besta. A espada travou em quarenta e cinco graus de seu destino.

Nove braços com nove espadas a bloquearam ,num intrincado fractal de imobilização. O cavaleiro negro ofegava em grande vapor, extenuado pelo uso dos recém-nascidos quatro braços de cada lado do corpo e mais um musculoso braço em seu peito. Assustado, o rei recuou, fraquejando os joelhos, apoiando-se débil na espada, agora fincada no chão lodoso. As gotas tombavam com sonoro ruído na vestimenta cascuda de ambos, servindo como medida de tempo para a segunda partida de espadas. Os quarenta e cinco dedos do cavaleiro negro giravam o punho das espadas com a habilidade nata de prestidigitadores.

O rei inspirou, buscou no coração selvagem que tinha a mais brava de todas as coragens, adicionou seu conhecimento vasto na esgrima e flanqueou com um salto os cotovelos do lado direito de seu Nêmesis. Partiu os bicos dos ossos pontiagudos e então rolou o máximo que pode, assim evitando o contragolpe imediato que o cavaleiro negro, em dor suprema, desferiu. Com os quatro braços do lado direito inutilizados, sangrando em profusão, o cavaleiro negro emparelhou os cinco membros restantes e com um trote de animal ferido abriu os sulcos na lama para o terceiro encontro de lâminas.

Com a guarda da espada, o rei travou o braço que pendia do peito do inimigo e com um chute afastou o ombro direito aliviando o risco de corte por segundos que foram suficientes para decepar totalmente os quatro braços restantes. E assim perfez-se um tumular silêncio, emparelhado ao término da tempestade. Iniciou-se então a quarta colisão, o cavaleiro negro agora débil, girando o seu único braço, não mais exibindo técnica e não mais com olhar impiedoso. O rei impôs sua glória final, arrebanhando os dedos do inimigo, o punho, o antebraço, o braço, caíram como lenha no dia de maior labuta. A ponteira trespassou o coração do gigante, as esmeraldas do cabo reluziram.

Uivou o cavaleiro negro, uivou o rei, uivos díspares. Longínquo ecoava o cavalgar de uma tropa improvisada, vinda do reino para salvar seu rei. Tarde demais, no entanto, os danos não seriam somados e, com as glórias de um verdadeiro herói, construiriam uma lenda. A lenda do rei selvagem contra o cavaleiro negro de nove braços, quarenta e cinco dedos e nenhum amplexo!

Os escritores da descrição perfeita (Parte I)





Tema: Guerra de areia na praia


Problema: "Perder o fio da meada"


"O ruivinho afundou os joelhos na areia ensopada e, tão logo seu pai sentou na cadeira para ler um jornal, passou a cavoucar porções generosas de areia, armazenando as bolas disformes na pequena bacia amarela ao seu lado. Apenas quarenta passos para frente, na mesma linha, este ruivinho era observado com acerácea pelos olhos do gordinho de sunga verde, que tapava o sol em seu rosto com a mão fofa estendida por sobre a sobrancelha. Os dois sorriram de modo a baixar bem o queixo, num indicativo de iminente azucrinação.

Antes do ligeiro ruivinho contar sua vantagem de bolotas disformes, já estava o gordinho de sunga verde arrastando uma prancha de isopor com perfeitas bolas aveludadas, empilhadas com grande apuro. O ruivinho esboçou surpresa ao ver tantas perfeitas bolas e como um raio inesperado passou a tacar sua munição em direção ao alvo principal, girando os braços cumpridos, tal qual uma hélice louca de ventilador. Mas este giro não produziu efeito satisfatório em relação a pontaria, pois a areia caia muito mais longe que o necessário.

No lado oposto, agachou estrategicamente o gordinho, e com boa pontaria jogou suas primeiras três bolotas. As três acertaram a cabeça de fogo do inimigo. O ruivinho deu apenas um passo para trás e pronto, inesperadamente ficou a salvo das certeiras granadas de areia, pelo enorme guarda-sol azul que seu pai havia posto naquele ponto. O garoto aproveitou o alivio para mirar com precisão, segurando a mais pesada e molhada bola de sua coleção. E com toda pose de triunfo que conseguiu impor, atirou para pegar em cheio o nariz do outro. Mas o gordinho de sunga verde guardava mais habilidade que se poderia supor, desviando como um gato do grande tolete voador, que acabou por cair em grande angulo na bunda volumosa de sua mamãe, que descansava de bruços aproveitando o sol forte do meio dia. Abruptamente ela pôs-se de pé, esbravejando com o filho e estapeando as nádegas.

Mal pode se defender o gordinho de sunga verde, pois cortava o ar a alta gargalhada do ruivinho, observado pelo pai, agora atento à mulher que estapeava as nádegas ao longe. Quando ambos os adultos perceberam o que se passava ao redor, dois surfistas passaram a arremessar cocos verdes recém tomados em direções opostas, até acertarem a cabeça de um policial que acabara de estacionar sua bicicleta. Três famílias começaram a vaiar o policial e chutar areia da parte mais seca da praia em todas as direções, inclusive por cima do frango assado que ainda seria degustado. Um batalhão do exército juntou-se ao policial ainda zonzo da cocada e prontamente começou a avançar em direção ao mar, de modo a acuar os praieiros.

Surfistas acabaram por deixar suas ondas com intenção de defender os colegas que também estavam acuados. Havia muito coco verde espalhado na areia e que serviu como bala de canhão. Neste ponto, a selvageria instaurou-se de tal maneira, que jornalistas de várias emissoras sobrevoavam de helicóptero aquele trecho outrora pacato do litoral. Somente voltou a ordem das coisas quando o ruivinho e o gordinho de sunga verde transformaram-se em estrelas cadentes, e após flutuarem até muito alto, caíram em direção ao horizonte do mar. Todos fizeram seus desejos em voz baixa, cada um com a esperança de dias melhores pela frente".

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O Mestre do Entrosamento

A difícil aplicação da dificulina

No balcão, um embróglio com carne causou grande embrulho entre os presentes. Já haviam posto nacos na boca e seus estrondos passaram a doer, produzindo um estômago alto e sincronizado, que foi perecivel do outro lado da rua. O açougue dizeu: "Diz você!" Doutor Champanha, ressabiado, pensou: "Há algo muito errado pela aí à fora!"

Talhado por Rauvera Molina - Mestre do Entrosamento


Arts Insolites HOJE e não AMANHÃ

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

NON DUCOR DUCO






Enquanto as pás dos extensos remos tocam a água salgada do mar Sílico, a turba braçal de turistas-escravos grita em uníssono o seu lema de vida. Compassados por um tambor tocado por Grande Morsa, rosnam em cadência:
TUM

"CRUZADA FERINA"

TUM

"TRAÇAMOS A TRILHA"

TUM

TUM

TUM


"SOMOS A FORÇA"

TUM

"EM BUSCA DE VIDA"

TUM

TUM

TUM

Grande Morsa solta o seu bastão no chão e entorna dois galões de água por cima da cabeça. O sol aquece a madeira naval e as costas de quarenta homens. A cantoria cessa com o intervalo do som. Coxa Dourada, a guia da galera trireme, estala seu chicote no ar enquanto bronzeia o corpo semi nu no teto da cabine de comando. Os gêmeos, Palafitas e Pauapique, urram ao retesar os músculos no desdobramento da lona das duas velas. Em cada fileira de remo, três homens empunham a tora de cinco centímetros de diâmetro e quatro metros de comprimento. A velocidade da galera é uma constante de oito nós, fato que incomoda o capitão Varonil Feudal, o cinqüentenário ouriço. Pensa ele, por cima de seu caderno de notas, que o aumento de meio metro nos remos será o suficiente para até doze nós singrando àquelas águas escuras.

- Em seu lado esquerdo observem a nona bomba atômica presa aos rochedos de Fernando de Noronha. Em 2026, esta foi a última tentativa de explosão do hemisfério sul. Apreciem a grande e colorida formação de corais que nela trabalharam sua morada ao longo de centenas de anos. Agora, remem!

Coxa Dourada estala o chicote na popa, o Grande Morsa retorna ao seu tambor. Na parte limítrofe da proa, entre o sagrado entalhe do deus Gogol e o primeiro remo, Jonas Jantar, Jesus João Maria e José Jocasta tratam de entrar em um acordo em seus movimentos braçais.

- Jesus, não deixe escapar a ponta do remo. Quer nos matar?

- Os grilhões em meus pés. Olhem!

Jonas abaixa sua cabeça, colada ao ombro de José, e observa a mancha preta e pútrida na canela de Jesus. Trata de cuspir no grilhão e retorna a sua posição.

- Talvez sua viagem termine em breve, Jesus. Não vou mentir minhas impressões.

- Não consigo ver meus próprios pés, mas sinto-os formigando e queimando. Estão feios?

José respira profundo entre os dois companheiros e acelera o centro do remo, levando os amigos a o acompanharem.

- Você, Jonas e você Jesus, devem seguir o tambor. Esqueçam os seus corpos. Logo estaremos podres e prontos para o grande oceano.

Jonas morde o lábio inferior. Observa, com olhos irritados pela espuma do mar, Coxa Dourada sentar firme sobre uma grande bola de aço presa na metade da galera.

- Estou assustado. Assustado com nosso destino.

...

Cinco meses voam em uma lenta brisa, cozinhando os homens. No dia de hoje, suas carnes recebem uma severa chuva de granizo. As velas são dobradas, o tambor é castigado. Capitão Varonil Feudal e Coxa Dourada dispõem sobre o tablado de veludo da cabine de comando, cartas do tarô de Marselha, despreocupados com seus comandados.

- Estamos todos a sangrar.

- O castigo destes cristais de água.

- Paciência.

- No horizonte o dia floresce.

- Concentrem.

De popa à proa, os escravos-turistas opinam sobre suas dores. O granizo corta suas peles enfraquecidas e bronzeadas; os filetes de sangue esvaem até a madeira intumescida por suor, sal e água.

- Por que reclamam?

- O que lhe incomoda reclamarem, José?

- São tão geladas as pedras destes pequenos granizos. Deveríamos abençoar o frescor oportuno.

- Somente sinto dor e mais dor, seu desgraçado egoísta.

- Não se desgastem em tão infrutífera rusga. Eu sinto dor e frescor. Ao primeiro, estamos acostumados, ao segundo, devemos estar agradecidos. É como tem que ser.

- Agradecidos, sim, Jonas. Mas jamais satisfeitos.

- Perdão, José. Estou à beira da loucura. Já não sinto a presença de meus pés. 

Jesus João Maria chora abertamente, com uma rouca respiração entrecortada por soluços. Abre os olhos vermelhos para o alto e fixa-os na nuvem mais densa e negra. Despenca um granizo pontiagudo que lhe vaza o olho esquerdo. Os companheiros prendem o fôlego e soltam o remo, observando sem palavras o silêncio do caolho.

- Não sente a dor, Jesus?

- Metade do mundo acabou de fechar sua cortina. Pra quê sentir dor?

O chicote de Coxa Dourada corta o ar com um som diferente, úmido. A ferina ponta de metal decepa metade da orelha de José. Jonas encara a carrancuda mulher de feições masculinas, aprisionada em um corpo torneado, feminino; até baixar os olhos e ver a cartilagem da orelha escorregar por sua barriga. José grita de dor ao mesmo tempo em que leva as mãos ao remo e dá inicio aos movimentos circulares. Jonas fala baixo, mas suficiente para sobrepor o pipocar da chuva:

- Não há nada que você possa fazer José. Suporte e pense no futuro.

Os três entram novamente na tarefa rotineira. A chuva engorda as gotas e interrompe o gelo. Um raio abre um arco de luz no mar e ilumina o casco escuro da galera trireme.

- Nunca mais larguem o remo, bestas de Júpiter. – Brada com a língua de fora, Coxa Dourada.

Surge uma ventania do sul que até então não se fazia presente. A embarcação range e deriva de um lado ao outro como um pendulo lento. Nos esforços desesperados da tripulação os remos são como penas frágeis, perdidas nas ondas. Coxa Dourada se desequilibra e torce os pés num pisar torpe, esbarrando nos cansados escravos. Com pânico na alma, clama por socorro em direção ao obeso Grande Morsa.

Este, limita-se a sorrir seus poucos dentes em desprezo para a bruta mulher. Uma lufada maior de vento, carregado de assombro pela trovoada, derruba um bloco de gelo grande o suficiente para esmagar o dorso de Coxa Dourada no chão. Sua cabeça escorrega até os pés do entalhe do deus Gogol. Os escravos-turistas contemplam com satisfação a justiça da natureza, ao separar a beleza escultural do corpo, daquela cabeça mastodôntica, ossuda e mal concebida. Palafitas e Pauapique engatinham como caranguejos até as partes do corpo. Arrastam para o porão a massa disforme. As pernas, intactas, são acariciadas e recolhidas. Capitão Varonil retém a cabeça com a sola porosa de sua botina. Os irmãos viram o rosto e encaram temerários o gigante negro.

- Sopa.

- Será sopa então, capitão.

Na bonança que segue, após a atribulada tempestade, surgem dezenas de gaivotas carregando pequenos filhotes de rato em suas asas. Lourival Maestro suspira ao reconhecer a ilha que seus pais tanto haviam falado a respeito.

- Rio de Janeiro. Eis adiante, patetas.

Jonas rosna mal humorado. Evita olhar o pequeno pedaço de terra que brota quase sufocado pelas águas. A cabeça de pedra de um ídolo partido, presa por um emaranhado de corais e algas.

- Onde estamos indo, afinal?

- Nos alistamos para um período incerto de escravidão.

- Que a alta cúpula de Maputo inda nomeia como turismo-escravo. Turismo! Creia numa dessa.

- Cremos.

Jonas olha para trás e diz a Lourival:

- Sim, somos todos patetas.

O capitão Varonil Feudal atravessa o corredor e sobe um degrau na ponta da proa, ao lado do deus Gogol. 

- Nosso destino se aproxima. Encontraremos abrigo e suprimento nestas terras desoladas. Expandiremos nosso povo que nos aguarda nas longínquas terras. Assim indicam os sábios do grande livro. Duas horas de pernas esticadas, fiquem de pé.

Grande Morsa, em todos os descansos oferecidos pelo capitão, toma o lugar antes incumbido a Coxa Dourada. Distribui água potável, colhida nas chuvas e pedaços de peixe, secos em sal grosso. Famélicos, os homens devoram as partes no mais precioso e único manjar.

Após dois meses de avanço, esta é a mais estrelada das noites. Jonas não consegue dormir, apesar da fadiga que faz tremer todo seu corpo. Lourival Maestro, posicionado na mesma linha de que Jonas, exatamente atrás, na parte que empareda o mar Silico, assovia uma melodia fúnebre.

- Se, como eu, não consegue dormir, pare com a tristeza de seus lábios. Poupe-me.

Lourival encosta os lábios próximos a nuca de Jonas.

- Tenho observado a dinâmica de todos. Durante todos estes meses. Segui com o olhar, cada passo, ouvi cada murmúrio. Decifrei todos os códigos.

- Do quê está falando?

- Partimos fazem onze meses de nossa terra abençoada, superlotada, esturricada. Desde então fizemos o percurso que muitos amigos e familiares percorreram a cada quatro anos. Visto como grande sucesso, pois apenas o capitão retornava com suas noticias prodigiosas do grande paraíso chamado Brasil e sempre com uma nova embarcação. Nunca retornou com esta galera que tocamos à frente. Sabe por quê?

Jonas relaxa a cabeça para trás, envolto na conversa do outro.

- Diga lá, vamos.

- Bom, meu caro, somos sacrifícios. Do modo mais irônico possível. Nossos lideres em terra natal são temerários em relação a nações distantes, sobreviventes da Terceira Grande Guerra.

- Mas o tempo deteriorou a tudo. Não existem mais diferentes nações. Somos como nômades. Dependemos apenas do nosso próprio esforço.

- Então, Jonas, explique um navio escravocrata rumando ao desconhecido.

- É a única forma de nos pôr em marcha. Concordamos em sermos subjugados em prol de maior eficiência numa árdua jornada. Haveria conflitos caso fôssemos meros passageiros.

- Está certo. Mas não é isso que desvendei. Como disse, somos sacrifícios para este farsante deus Gogol que impregna a face destroçada de nosso planeta com seu nome em tudo que coletamos. Rumamos para uma troca. Pense comigo. O capitão retorna numa embarcação moderna, diz que foi recuperada por nossos amigos que já estão lá há anos prosperando em ferramentas e tecnologia. Traz frutos exóticos, espelhos e bijuterias. Nós nos conformamos com isto e aproveitamos os presentes. Mas a verdade está mais além.

José Jocasta desperta abraçado ao remo. Vira o corpo com truculência em direção a Lourival.

- Enfiarei minhas unhas afiadas em seu estômago e arrancarei suas tripas se não calar sua boca podre de falácias.

- Pode o fazer, quando acabar minha versão.

Germano Gentil abre os olhos na penumbra e ferinamente contorna o pescoço de José com a corrente de sua algema.

- Mate minha ajuda neste remo pesado e comerei sua alma, que encontrarei ao fuçar todo o seu corpo por dentro, verme asqueroso.

Lourival Maestro estrala os dedos e prossegue.

- O capitão irá acionar algum tipo de mecanismo escondido no porão desta ultrapassada galera e sua cabine irá se transformar em um ataúde à prova de água. Isso o protegerá dos homens que virão nos recolher. Estes homens são soldados que perpetuam antigas gerações guerreiras e eles vivem num país belicista, repleto de tecnologias mortais, a mesma que deu cabo de nosso mundo. Eles precisam de uma coisa que somente nossa população braçal pode fornecer: mão de obra pesada, para os mais variados e humilhantes serviços. Em troca, não apenas mandam alguns penduricalhos que não temos como principalmente, dão sua palavra de que enquanto houver escravos, não lançarão uma bomba que nos varrerá para sempre da existência.

- Absurda a sua imaginação.

- Você acha mesmo, Jonas? Pois repare nas estrelas sobre nossas cabeças. São a prova da alta tecnologia que este povo domina. Todas elas são sondas espaciais prontas para dizimarem invasores. É por isto que existe esta bola de ferro presa no meio do convés. É uma espécie de sinalizador.

- Eu me diverti com sua conversa. Saberemos a verdade quando chegarmos.

- Saberemos agora. Já ouviu como Pauapique se comunica com o irmão?

Germano assovia entre as palmas da mão fechadas em concha. Tão logo o rangido do alçapão da proa é ouvido, nas sombras se arrastam Pauapique e Palafitas.

- Acorde, Generoso Carmim. Ande, desperte.

O franzino rapaz abre os olhos e olha em volta, atordoado com o repentino chamado.

- É hora de provar aquele ponto do qual debatemos por tanto tempo.

- Ah, enfim.

Ele ergue os dois pés até o limite dos grilhões e bruscamente estica as pernas por baixo da banqueta, pousando a sola no tornozelo pútrido de Jesus, logo à sua frente. O osso e a carne se esfiapam no chão. O pé tomba de lado, solto de uma vez por todas de seu dono. 

- Puxe este pedaço. Esconda-o!

Jonas joga metade de seu corpo com fúria na direção de Generoso Carmim, mas é impelido pelas fortes mãos de Germano.

- Filho da puta. Cão raivoso.

José Jocasta, no primeiro agudo de seu grito, tem o pescoço quebrado pela corrente de Germano. Jonas absorve em silêncio a situação na qual está envolvido. Jesus José Maria está acordado, em um transe de miúdos gemidos.

- Boa noite, gêmeos.

- Carne.

- Carne.

Generoso Carmim empurra para o lado de Jonas os corpos de Jesus e José. Germano segura o toco do pé entre as mãos.

- Querem a carne?

- Carne.

- Carne.

- Tragam a bola de ferro até nós e daremos a carne toda. Dois corpos inteiros. Meses de boa comida.

Demora metade da madrugada para os estranhos irmãos rolarem a pesada bola até a presença dos negociadores. Os corpos são entregues, suas correntes quebradas com os dentes de chumbo dos canibais, por fim, rapidamente puxados para o subsolo da galera.

- E agora, Lourival? O que acontece?

- Não sei. Realmente, não...

Um laser risca o céu, vindo da mais brilhante estrela, dizimando o corpo de Lourival e consumindo Germano e Generoso em sua chama mortal. Os demais turistas-escravos acordam com o brilho intenso percorrendo a embarcação, matando e tocando fogo na madeira. Grande Morsa, talhado na barriga pelo facho incandescente, olha com horror para a bola de ferro deslocada de seu lugar original. Toda a estrutura parte em grandes pedaços, esfarelando-se no mar. Jonas cai sobre um tablado de jarras, flutuando na serenidade das águas, contrastando com o incêndio. Capitão Varonil Feudal observa tudo de sua cabine. Impassível, ele gira uma roldana que desloca o cubículo direto ao mar. Um perfeito ataúde, lacrado e a prova de água. 

...
A noite finda e uma manhã ensolarada ganha cores. Jonas desperta na orla de uma praia tropical. A sua frente, um sem fim de bananeiras, carregadas de cachos. Levanta-se, ainda zonzo por conta da maré. Todos os corpos, até mesmo os restos queimados, estão enfileirados ao seu lado. Homens e mulheres com vestes coloridas e pulseiras fluorescentes, observam com curiosidade o náufrago sobrevivente.

- Abaité!

- Abaçaí?


Jonas Jantar cambaleia, os lábios secos ensaiam uma saudação em Tupi. Mas as palavras se perdem diante dos troncos das bananeiras que caem aos montes no fundo. As pupilas dilatam diante dos tanques que vêm surgindo. O funil da bala gira em sua direção. Um nativo lhe oferece um singelo espelho partido. Um sorriso, retribui Jonas, pouco antes de morrer.