segunda-feira, 15 de abril de 2013

Reflexo da Loucura




Conto sobrenatural do amigo Paulo Henrique Facchini.




Dizem os antigos que numa cidade ribeirinha ocorreu um fato que todos ainda tentam confirmar como lenda. Ocorreu no interior do estado, quando ainda éramos um povo dominado pelas oligarquias rurais.
Numa cidade do interior que era cortada pelo Rio Tietê, vivia um imigrante alemão por volta de quarenta anos, seu nome era Hans Wats, era filho de Rug Wats e deste havia herdado as terras. Suas terras ficavam ao lado do rio e eram improdutivas.

Hans sempre culpava seu pai pelos problemas, afinal a situação dele, de sua esposa e de seus três filhos não era nada boa. Alcoólatra desde moço tinha o costume de depois da lavoura ir até o bar Rabo de Galo e acabar sozinho com uma garrafa de cachaça.

Certa noite, Hans chegou bêbado e revoltado em casa. Abriu a porta e resmungando foi direto para o banheiro. Fechou a porta com a taramela e começou a urinar, enquanto urinava sentia raiva do pai, afinal, depois que o velho fugiu, as terras nunca mais deram lucro e ainda tinha que ouvir no bar os outros zombarem de seu trabalho.

Terminou, fechou o zíper, e virando-se deparou com o espelho. Seus olhos envesgavam-se e ele continuou a olhar fixamente na figura. Dado um tempo, começou a enxergar no espelho o reflexo do seu pai. Resmungou da vida e começou a xingar a imagem, xingou tanto e aquilo lhe dava tanto prazer que se sentindo cada vez mais macho começou a desafiar a figura para um combate.

Seus dois filhos menores e sua mulher choravam e batiam na porta que não abria devido a taramela.
Hans olhava para o espelho e apontando para o mesmo disse em bom tom que quebraria a cara do pai se o visse. Antes de reparar algo, sentiu um punho cerrado acertando em cheio sua orelha. Perdeu a embriagues, sua coragem extinguiu-se na mesma velocidade, mas a flagelação não parou. Sem entender e ver ninguém, sentia golpes maciços acertar todo seu corpo. Era jogado de um lado para o outro com os golpes que o atordoava. Desesperado, tentou correr para a porta, a taramela rodava, mas nunca parava de modo que ele pudesse abrir a porta. Chorava como criança, e apanhava como adulto, até que escorregou, bateu a cabeça no chão e ficou desacordado.

Seus filhos e mulher, descalços sentiram algo molhar seus pés, olharam para baixo e em pânico viram o sangue passando por baixo da porta. Chorando desesperadamente pediram para a filha mais velha ajudar a abrir a porta, esta por sua vez fez-se de rogada e continuou na cama.

A menina, que sabia um pouco sobre ciências ocultas, deitou, fechou os olhos, e fez uma concentração até sair de seu corpo.Foi vagando até o banheiro, onde viu seu avô chorando olhar para o filho estatelado no chão. A menina ficou comovida, mas sem esperar viu Rug correr e entrar no seu corpo.

Rug tomou a forma da menina, levantou-se da cama. Andou calmamente até a família que chorava e disse para não se preocuparem que era só um acidente da bebedeira. A mãe ainda fragilizada tentava acalmar aos dois filhos menores. O que surtiu efeito momentâneo.

Rug na forma da menina disse para os cinco ficarem calmos que ele só ia resolver um assunto e já voltava. Ninguém compreendeu direito, mas não deram importância afinal o importante era que Hans estivesse bem.
A menina de aproximadamente quinze anos chegou no Bar e perguntou onde estava o Nino, este que era um dos maiores agricultores da região. Os homens com malícia no olhar, afinal apesar de nova a filha de Hans já tinha porte de mulher, indicaram o banheiro. Ela pegou uma garrafa de conhaque pelo gargalo e andou até parar em frente a porta do banheiro. A porta abriu, Nino de quase setenta anos olhou aquela loirinha linda com a garrafa na mão, deu um sorriso e levantou bem a aba do chapéu. Rug sentiu que era a hora, virou-se um pouco e puxou a garrafa com toda a força, um golpe realmente forte na testa do Nino o que assegurou a queda. A garrafa quebrou e mais do que depressa, Rug pegou um caco de vidro grande e passou no pescoço de Nino. A pele esticou, enrugou e verteu sangue numa quantidade que as mãos de Nino não conseguia estancar.

Os outros olhavam perplexos e sem nenhuma reação. A menina largou o caco, se levantou e olhando para os outros saiu andando calmamente. A calma foi tanta, que qualquer um ali ficou pensando duas vezes em denunciar e correr o risco de ser o próximo.

Rug voltou para casa. Lavou a mão na pia de limpar peixe lá fora perto do poço. Andou lentamente até a edícula e pegou uma pá. Cavou uma cova, nisso a mulher de Hans chorando analisava tudo da varanda. Rug foi até a beira do rio e embaixo da plataforma improvisada de pesca começou a entrar. A mulher de Hans que seguia o corpo da sua filha olhou e foi ajudar a menina. Viu quando de dentro d’água a menina começou a puxar um punho.

A menina olhou para a mãe e esta desceu para ajudar, puxaram o corpo do avô até a cova. O corpo estava lá a trinta anos, era acinzentado, com uma séria lesão na nuca e uma marca de faca nas costas, provavelmente morrera afogado. Deitaram o corpo na cova e como uma mágica o corpo de Rug se desfez sobrando só os ossos dentro da vala. A menina desmaiou e a mulher de Hans desesperada, tomada de um impulso enterrou os ossos.

Dizem que Rug Wats descansou em paz depois do feito. Que as terras de Hans Wats são até hoje grandes produtoras de policulturas, e que Hans morreu podre de rico degolado com um caco de vidro. Sua primeira mulher, mãe de seus filhos, ficou louca e morreu anos depois no manicômio. Seus filhos venderam suas terras anos depois. E sua filha nunca mais foi vista, a não ser próxima a fontes d’água e espelhos a procura de seu corpo.

Paulo Henrique Facchini.
Maio de 2005.

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