Não há satisfação em enforcar um homem que não faz objeção a isso.
George Bernard Shaw
George Bernard Shaw
“Primeiro
precisamos lhe arranjar um grande e trágico acidente, um embate, um
duelo, uma fatalidade, então poremos tua perna à prova. Corto-lhe com
machado afiado e então detalhamos como será sua história. É razoável
que a perna passe por um processo infeccioso e se inutilize ao longo do
tempo, mas é melhor que ela seja comida, arrancada, triturada,
amaldiçoada, explodida ou catapultada. Veja bem, velho pernicioso, uma
perna de pau impõe respeito somente se houver uma história que valha a
pena ser contada por trás da madeira lustrada.
Conhecido é o simbolismo, o temor provocado nos inimigos, o respeito que inspira os amigos, a sensualidade que evoca nas mulheres o mais profundo e salivante desejo de roçar a tua perna de pau. Pagar-te-ão em rum para ouvir teu conto trágico e audaz. Circundarão tua pessoa para admirar a peça. Que espera para que lhe partamos este osso não profícuo que lhe dói por todo o inverno? Tantos anos saqueando deslumbrantes tesouros, pilhando mercantes asiáticos, perfurando com tua espada o peito dos timoneiros, agora que tua barba roça tua barriga entre fiapos grisalhos e sujos, já não é a hora de mais valia para presentear-te com está madeira tão bela quanto uma preciosidade de ourives?
Se
precisar de exemplos dos préstimos que minha pessoa já executou,
nestes anos acalantes, lembre da imagem pomposa que o pirata Tunus
Albacaris construiu perante a corte aduaneira do Rei Vermelho,
penetrando o castelo real com perna de pau e pistola de pavio curto. Não
podemos negar que a história fez jus a esta imagem, mesmo que a
guilhotina tenha aparado o pescoço de Tunus tão logo foi capturado. Quem
poderá dizer que não valeu a pena ser assunto nas classes abastadas?
Tome nota também da vida de meu primeiro cliente, pirata Mero das
Elipses, o louco dos canhões. Exigiu que sua perna de pau pudesse
armazenar pólvora, assim foi feito, como não? Você já se lembrou desta
legenda? Muito difundida, de fato. Explodiu-se bravamente contra uma
turba de motim. Épico, meu amigo, épico.
Posso aceitar rublos. E definitivamente me interessa a coleção de sestércios, no entanto, adiciono duas tiras de couro no toco inferior se acrescentar esta bolsa de ervas que carrega a tira colo, me é útil nas questões salutares. Negociados estamos por setecentos e trinta rublos, quarenta e três sestércios e um punhado das ervas aromáticas. É menos do que costumeiramente é acordado entre minha família de clientes, mas, como estava tu numa dúvida cruel, deixo a bonança em seu bolso para que volte e experimente muito mais que tenho a oferecer.
Repare,
é aqui que farei a incisão. Beba rum, mas é claro. A bebida da casa é à
vontade. O torpe é lucidez para tão árduo trabalho; e assim tu mal
sentirás o tranco. Mastigue este pedaço de estopa, pois a pressão pode
subir inquietante até a tua testa e transformar-se em uma dor
sibilante. Seja como for, é passageira. As agruras que precedem uma vida
de glória e importância, são nada menos que mais história para uma
rica coleção. Já prepara logo teu barco, pense só, mire bem tua próxima
pilhagem, escolha a dedo teus homens e Deus te proteja da cabeça da
serpente do mar. Observe como puxo este osso, que não é nada que uma
picada no nervo.
Recoste-se e troque a estopa. Mais rum e mais um tranco, te garanto,
olhe só, aqui jaz tua ex-perna que de tão comum, nada lhe trouxe de
bom. Tão rápido que foi, concorda? Mas é normal teu suor, tua
tremedeira. A brasa do carvão vai estancar a abertura. O barulho te
aflige? Não se incomode, é como um porco tostando, tomo extrema
precaução, fique sossegado. Pus meu dedo e já nada sentiu, percebe? É
hora de cravar o taco. Só mais um tranco, o laço nas cores que escolheu
é de muito bom gosto. O couro se expandirá com o tempo, o que sente de
aperto é pura impressão. O repuxo ocorrerá nos primeiros dias. Um
pouco de força, agora. Estrala a madeira por conta da pressão, de outra
forma não poderia ser.
Que tal? Gostou? Parece bem reta. A dor é mais do que normal, necessária até, eu diria. Orgulhe-se, que este modelo é novo. Jamais servi tão bem um cliente. Caso queira, faço com que esta perna de pau seja exclusiva, jogando o molde fora. Quanta honra e boa sorte, concorda? O que passa? Machucou-se? Foi só um pequeno tombo, ajudo-o e lhe ofereço esta muleta. Peço-te perdão pela falta, sempre é bom repousar em muleta por um mês. Não se invoque com as farpas, pense nelas como uma coroa. Sim, é normal o negrume da carne.
Concordo,
é estranho no começo, mas é satisfatório em longo prazo. Um bom dia eu
lhe ofereço, velho pirata. Vejo a satisfação em teu rosto. O quê? Na
estante? Cobiça já minhas mãos de gancho? Pura prataria bem encurvada.
Já podemos pensar num molde para mais adiante. Imagine a completitude
de uma perna de pau, uma mão de gancho e quem sabe, juntando ouro, um
belo olho de vidro! Adeus, pirata. Um bravo sempre tem olhos acurados,
portanto aguardo teu retorno. Não, não reproduzo cicatrizes.
Infelizmente. Há de conquistá-las por si só, concorda? Tome aqui, leve
como presente, esta garrafa de rum.”
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