quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Os escritores da descrição perfeita (Parte IV)




Tema: O amor

Problema: "Um disparate e o texto é arruinado"


— Que lindo, ele! — Liliane apontou o rapaz para a melhor amiga. — Mudou pra cá há alguns meses. Acho que veio do interior. — A amiga tirou um pirulito da bolsa e o desembrulhou. — E você já conversou com ele? — Já, duas vezes! — A amiga ofereceu o pirulito, que foi recusado. Colocou na própria boca. Girou os olhos como se impaciente e sacudiu o ombro de Liliane. — Ê, lê, lê, gata. Ficou com uma quedinha pelo rapaz? — Ela apertou o joelho da melhor amiga. — Crème de la crème! —.

O rapaz em questão, Renato, morava agora com sua tia na capital, para concluir um curso de engenharia aeroespacial. Descia todos os dias no hall do prédio carregando uma pilha de livros técnicos e um lápis na boca. Desengonçado, porém, com o charme de um rosto simétrico, a face sempre corada, nariz pontudo, os olhos castanhos, enormes. Cruzava com Liliane duas vezes por semana, dias em que seus horários batiam. A admiração mútua veio desde a primeira troca de olhares. As primeiras palavras informais, o reconhecimento, a apresentação. A impressão colou em ambos e foi positiva.

De dois encontros casuais, multiplicaram-se para quatro, para oito. O convite partiu de Renato. Um convite enrolado pelo lápis na boca. — Gosta de comida italiana? — Liliane ficou tão contente com a pergunta simples que respondeu: "Eu vou. Sim, nós vamos!" e só depois percebeu que não fazia sentido. Mas não importou. Chamar para um jantar era a próxima frase de Renato. Ambos riram bastante. Combinaram o horário. Se despediram, com um carinho mais penetrante. A aura feliz quase irradiava naquele hall abafado.

Sexta feira, Liliane e Renato foram pontuais. Caminharam lado a lado até a Cantina Polenta, famosa no bairro. Quase roçando as mãos. Conversaram sobre amenidades engraçadas. Ansiedade tomava conta dos corações. Pediram um vinho tinto, uma entrada. Brindaram o primeiro encontro. Renato tomou o primeiro copo de uma golada só. Subiu na mesa. Cantou um pagode em voz alta na cantina lotada:

"Ela entrou em minha cabeça e disse - quero fazer amor -

Escreveu dez mil cartas para um bobo apaixonado

Agora penso nela com carinho e excitado

Correio é aqui em cima

Lá embaixo é o motel

Quero ver a sua carta

Vou fazer o meu papel

Ela entrou em minha cabeça e disse - quero fazer amor -

Escreveu dez mil cartas para um bobo apaixonado

Agora penso nela com carinho e excitado"

Renato deu duas piruetas e pousou sobre a cabeça de um dos garçons. Liliane levantou da cadeira e começou a girar e girar e girar, sempre gritando palavras em hebraico. As pessoas aplaudiram efusivamente. Daquele momento em diante, nascia o casal mais apaixonado do mundo. E assim foi, até o dia em que foram abduzidos pelo conquistador de casais Xlopétec, o selvagem. As espaçonaves dominaram o céu da cidade. E Renato formou-se finalmente em engenharia aeroespacial. Liliane deveria ter aceitado o pirulito que sua melhor amiga havia oferecido. Pra começo de conversa, porque, porrãn... Vou te falar...

The FIM

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