segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Mister Mago

 

Mister Mago

O feiticeiro estava pronto. Após cinco mil anos de estudo, meditação, e alguns cursos online de ocultismo aplicado, enfim testaria seus poderes transmutadores na prática.

Escolheu como campo de provas um supermercado.

— Papel higiênico, despapele-se!

Imediatamente, os rolos brancos se desfizeram em pasta de celulose e, num segundo depois, transformaram-se em troncos de madeira. O corredor se fechou numa densa floresta.

— Vinho, desvinhe-se!

Dentro das garrafas, o líquido púrpura borbulhou e, no lugar dele, uvas saltaram, explodindo contra os vidros.

— Manteiga, desmanteigue-se!

As barras amareladas liquefizeram-se em leite fresco, formando um rio espumante pelo meio do estabelecimento.

— Picanha, despicanhe-se!

As peças reluzentes de carne tremeram, juntaram-se e, com um mugido gutural, um boi bundudo e confuso surgiu no corredor 6.

— Nuggets, desnuggete-se!

O freezer se agitou. Dezenas de pintinhos histéricos e minhocoçus albinos se embolaram lá dentro, até transbordarem pelo chão gelado.

Atrás do mago — nada discreto com sua capa azul estrelada de bolas brancas fluorescentes — os clientes fugiam em desespero, gritando entre as prateleiras vivas.

Um policial à paisana surgiu, arma em punho.

— No chão! Tá preso, doido!

O mago ergueu a mão, sereno.

— Arma, desarme-se.

A pistola derreteu na mão do agente, virando uma pedra irregular.

— Policial, despolicie-se.

O homem se contorceu e, em segundos, virou um bandido mal-encarado.

— Passa a grana, mago otário!

— Desbandide-se.

O sujeito virou um político, de terno amarrotado e sorriso oleoso.

— Qual o problema? Talkey, mago?

— Despolitize-se.

Bandido de novo.

— A grana, meu chapa!

— Desbanditize-se.

Político.

— Talkey, mago?

— Despolitize-se.

Bandido.

— Bora, passa tudo!

— Desbanditize-se.

Político.

— Talkey, mago?

O mago olhou para as próprias mãos, confuso.

— Ué... meus poderes falharam?

Uma voz grave e ressonante ecoou de dentro de um saco de batatas fritas congeladas:

— Não falharam, não!
Era Merlin, o Mestre dos Magos, empoleirado sobre as batatas, com uma aura de sabedoria e leve cheiro de gordura hidrogenada.

— Só não funcionam com redundâncias!

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