sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Alimento



 

"Onde está? " Onde está?

"Através da cedro, após a grande rocha." Através do cedro, após a grande rocha.  

"Sim!" Sim!  


Os braços de cristal aumentaram o brilho e, esticados para o alto, reverberaram. Dedos cinza e escamosos tocaram-se, formando um triângulo.

 "Está Pronto." Está pronto.



 Encostado no limo da rocha, Jocelim deslizou trêmulo até o chão de folhas secas. A imensidão de um frio súbito lhe esvaiu o restante de força que acumulou durante a madrugada. Tateou seu casaco e apertou o rádio comunicador. Estática. Mudou o canal. Clicou.

― Pai? Eles chegaram. Leste, na pedra do tamanduá.

Ruído. Uma aurora verde neon cresceu na copa das árvores. Uma acauã gritou três vezes antes de sumir na vegetação.

― Pai?

Mudou o canal. Clicou. Estática.

De dentro da rocha a mão cinza brotou e lentamente uma perna translúcida e venosa surgiu. Jocelim encolheu-se a poucos centímetros daquilo que trespassava o limo.

" Controle. Captura." Controle. Captura.  


O jovem esfregou o rosto. De pé na rocha, outra criatura, como um farol, despontando com os braços rijos pra cima, emanando a luz verde neon.  Transpondo a pedra totalmente, um duplo, sem luz, apenas os braços de cristal. Ambos com a face azul achatada, buracos negros encimando o nariz pontiagudo.  

― Carlão, pai, pelo amor de Deus! ― O comunicador vazou por entre os dedos de Jocelim, sumindo nas folhas do terreno. Seus pés patinaram na argila.

Cercaram-no. Os cabelos de Jocelim caíram rapidamente, a sobrancelha rareou. Pela face suada colaram-se todos os fios descendentes. A criatura inclinou o tronco. Estendeu a mão esquerda no topo da cabeça e um pequeno cubo de metal materializou-se girando no ar.

 

  "Seu fim"


 
A voz polifônica agonizou os tímpanos de Jocelim. Uma bala rasgou com estrépito a cocha gelatinosa daquela ameaçadora presença, desequilibrando-a. De três pontos partiram mais tiros, triangulados, varando os corpos. Aquele que iluminava a floresta tombou sobre a grande rocha. Nos braços de seu par, alçou o cubo flutuante. Um facho de energia subiu do objeto até a copa das arvores e um forte zumbido ecoou.

― Agora, Vardo! Enfia a faca!

Dois homens encharcados em suor acompanharam Vardo. Suas espingardas tremiam. Um deles pegou Jocelim no colo.

― Ele está chamando a nave! Acaba logo com esse bicho.

Um dos homens cortou os dedos afunilados daquele que segurava o cubo e este caiu no chão, afundando imediatamente. Uma espaçonave imensa acendeu no céu e os homens apontaram suas armas.

― Vamos cortar no barracão?

― Separa as cabeças, pelo menos, Carlão.

"Aniquilaremos, caçaremos, vamos... "


O som tormentoso da voz invadiu a mente de todos. Sebastião, o terceiro homem, arregalou olhos amarelados e raivosos para o extraterrestre. Encostou o cano da arma numa das cavidades negras do horrível rosto e atirou. Toda a iluminação apagou-se. Breu na floresta.

― CORRA!

Arrastando os extraterrestres, os homens correram por alguns quilômetros até alcançarem uma cabana de lona. Penduraram os dois corpos num varal de arame e sentaram exaustos no chão. Jocelim, debilitado, adormeceu. Os três permaneceram vigilantes pelo restante da madrugada.


...


“Meu pai vende aqui na feira e toda a vizinhança já comeu. Os gringos procuram bastante.”

“Eu não os conheço, são turistas. “

“Quando vamos caçar? Quando vamos, Sebastião?”

“Olha... Daqui um mês mais ou menos.”

“Depende das luzes no céu. Mas você pode ir.”

“Nunca veio reportagem aqui. É bom mesmo você vir.”  

“Eu acho que eles vêm aqui pra caça nóis!”

“Abizi, abudi; Como que fala?”

“Abduzir, pai.”

“É. Parece que eles querem levar a gente.”

“Eles não sabem ― Risos ― Mas é a gente que rasga o bucho.”

“Eu luto pra não comer essa coisa, que é o nosso sustento financeiro. Mas é gostoso. A gente sabe.”

“Quase tudo nós aproveitamos. Só os braços de pedra que enterramos.”

“O meu menino tá com câncer e foi essa parte do ET que adoeceu ele. Pode tê certeza. Mas não tem arrependimento em casa. Pra caçar tem que ir todo mundo. Não é, Carlão?”

“Eu mesmo só como a boca. Carnuda que dá gosto. Parece uma buceta, é verdade. Uma bucetinha azul com gosto de limão. Com gosto de limão, imagina”.



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