███▓▒░░Compro e vendo ouro.░░▒▓███
O senhor Cílio tinha idade avançada, daquela que é preciso ao menos uma muleta para apoiar o corpo. Mais velho que ele, era a residência de sua avó. Há muito falecida, ela deixara um casebre bonito para o solitário senhor Cílio cuidar. Certo dia, um pé de vento desviou de todos os arranha-céus da cidade e derrubou toda a casa da avó falecida. Senhor Cílio, desolado, fincou os quadris no morro de tijolos quebrados e telhas furadas por vários dias, lamentando-se por não ter previsto a tragédia material. Pouco antes de decidir continuar sua vida, um rato avançou por um monte de cacos de vidro, trazendo na boca uma barra de ouro. O velho arrepiou-se inteiro, reconhecendo a fortuna iminente. Ligeiro ele garfou, com uma tábua lascada, o corpo do gordo rato. Embrulhou a barra de ouro no casaco e rumou imediatamente ao centro da cidade.
...
"Compro e vendo ouro"
"Compro e vendo ouro"
"Compro e vendo ouro"
...
Papagaiava o velho banguela com uma placa pendurada no peito, com os mesmos dizeres daquilo que anunciava de boca.
"O senhor compra e vende ouro?" Indagou ansioso o senhor Cílio, após mancar lentamente até bem perto do outro velhote.
"Eu não, senhor. Quem compra e vende é meu patrão."
"E vamos até ele então."
Ambos arrastaram os passos morosamente até uma escadaria espremida num prédio comercial abarrotado de vendedores de perfume e relógios falsos. Após cinco lances sofridos nos curtos degraus, foi bem vindo o acesso ao elevador de carga acolchoado. Subiram até o quinquagésimo andar.
"Você desce aqui e eu volto pro calçadão. Segue o corredor até o fim, vira a esquerda, é no último guichê."
No último guichê, um buraco com grades numa parede sem portas, um novo velhote, com óculos profundos, dedicava atenção num racha cuca da Coquetel. Arranhou a garganta o senhor Cílio, ao mesmo tempo colocou o tijolo dourado para dentro de um pequeno vão no término das grades.
"Diga, diga quanto vale. Diga logo minha fortuna."
O novo velhote espiou o brilho do ouro e o pegou firmemente.
"Vou pesar, venho já".
Levou o ouro para algum lugar que não dava na vista. Voltou.
"Setecentos mil! Bem acima do mercado pois veja só, está cravado numa das faces o rosto de uma velhaca."
"Essa era minha avó."
"O que quer fazer?"
"Quero o dinheiro."
O novo velho dobrou seu quebra cuca e o pôs no bolso. Ergueu o ouro e também o guardou no bolso.
"Volto já."
Sete minutos e nada do dinheiro. O senhor Cílio passou a bufar preocupado. Tamborilou os dedos com força nas grades.
"Cadê?"
Sua perna começou a tremer involuntariamente, reflexo do prédio onde estava. Tudo chacoalhava. Passou um pé de vento no buraco da parede que entortou o rosto do senhor Cílio. Confuso, ele deu um passo pra trás. Então, tudo desabou. Paredes, pessoas, relógios, grades, guichê, escadas, elevador, bebedouro, amas de leite, motonetas, tudo voando em rodopios. Tudo feito de papelão, como perfeitas réplicas. Quando as últimas paredes de papelão desnudaram aquilo que antes fora um edifício, surgiu no céu o novo velho pilotando um helicóptero. Senhor Cílio tremia, confuso e amedrontado, de pé num pedestal, única estrutura firme que sobrara. Tal qual um equilibrista indiano, ergueu os braços em busca de equilíbrio. O helicóptero dava voltas ao contrário, toda a fuselagem da cabine até a cauda girava enquanto as hélices permaneciam paradas. As lentes graves do piloto brilhavam maldosas quando surgiam no meio do giro. Rindo e balançando o ouro maciço, ele gargalhava.
"GET TO DA CHOPPA, TROOOOOOOOOOOOOOUXA"
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E desapareceu no vasto montante de topos dos prédios daquela região.
Senhor Cílio resignou-se, vitima de um roubo pueril. Não mais desceu de onde estava. Principalmente porque ninguém mais naquela grande cidade possuía um helicóptero que voava ao contrário, ou uma escada estúpida o suficiente para o resgatar.
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