Estela calculou sua chance de atravessar com sucesso o pequeno abismo
que surgira a sua frente. "Desfavorável", pensou ao espremer o tênis
nos detritos da beira.
Era o último obstáculo em seu trajeto para ser a primeira mulher a cruzar à linha do meridiano Temer-Trump. "Deveria ter avisado alguém. Deveria ter chamado a mídia." Preocupava-se por não deixar um legado de coragem para um ato tremendo como aquele.
Era o último obstáculo em seu trajeto para ser a primeira mulher a cruzar à linha do meridiano Temer-Trump. "Deveria ter avisado alguém. Deveria ter chamado a mídia." Preocupava-se por não deixar um legado de coragem para um ato tremendo como aquele.
Ela sentou e desamarrou a vassoura das costas. A iminência de um tiro
em sua cabeça lhe dava mais fúria do que lhe alcançava o pavor. Bateu
com o cabo na rocha e ela mostrou-se sólida. "E o outro lado?"
Arremessou a maçã que escolhera na véspera. "Não foi
uma boa ideia".
De pé, montou na vassoura e impulsionou o corpo para frente. "A agua é meu sangue, o ar é minha respiração..." Voou. Voou seu limite Wicca. Trinta segundos, dois metros pra cima, um metro a frente. Eis o outro lado. O temido meridiano de Temer-Trump fora cruzado por alguém do sexo feminino.
De pé, montou na vassoura e impulsionou o corpo para frente. "A agua é meu sangue, o ar é minha respiração..." Voou. Voou seu limite Wicca. Trinta segundos, dois metros pra cima, um metro a frente. Eis o outro lado. O temido meridiano de Temer-Trump fora cruzado por alguém do sexo feminino.
O instrumento de voo tremeu e
partiu-se pouco antes do pouso. Ela caiu na borda que não era de rocha.
"Quantas pessoas sabem dessa verdade?" Pilhas e pilhas de cheques
cruzados, bilhões deles amontanhados a perder de vista. "As pessoas
ficariam enojadas". A parte mais dificil era cruzar o abismo.
Apenas mais um confronto a aguardava. E, de nuvens densas púrpuras que salpicavam agua morna nos cheques, defluviou a gigante cabeça dourada, cantarolando bordões macho-psicóticos. "All oppression creates a state of war, brazilian Woman. There's no woman as brazilian woman. You can ask around."
Apenas mais um confronto a aguardava. E, de nuvens densas púrpuras que salpicavam agua morna nos cheques, defluviou a gigante cabeça dourada, cantarolando bordões macho-psicóticos. "All oppression creates a state of war, brazilian Woman. There's no woman as brazilian woman. You can ask around."
Estela passou a afundar na montanha. Sua mente
girava em uma vertigem acentuada pelos tremores que vinham
simultaneamente das nuvens e das trevas que lhe aguardavam no solo.
Uma segunda cabeça brotou, não do céu, ao seu lado, o rosto riscado, os
fios grisalhos gigantes lhe roçando o nariz. Dela, sobravam os olhos
estarrecidos, acima de uma importância ao portador de duzentos e noventa
milhões. O anasalado da voz da cabeça velha arremeteu suas palavras
junto a gargalhada que vinha das nuvens. "O governo está empenhado em
governar a polis do mundo.Temos que estar atentos, dar-lhes a
importância devida. Não se faz política com o fígado, madame."
"Com licença? Alô? Com licença, moça, seu acento está errado!"
Estela piscou pela primeira vez nos quatro minutos em que ficara vibrada no palanque repleto de microfones.
"Com licença, você sentou em minha cadeira. Meu nome está aí. Você é
jornalista? Não tem acento para você? Vou ter que tirar seu acento."
Ela olhou para o jovem que lhe cutucava.
"Não encontrei meu acento. Tem algo errado, porra. Tem algo errado."
O jovem recuou e buscou de queixo alto por um dos muitos seguranças.
Palmas. Entravam os dois presidentes. A primeira coletiva Temer-Trump
tinha início.
"You first. Hey, hey, woman... Oh, well, you can ask around."
Estela não sabia o que perguntar. Era sua vez, trinta segundos. Pressionada, saiu correndo do salão.
"Que atitude drástica".
Dois seguranças seguiram-na, a desejo de um comando sussurrado em seus ouvidos grampeados.
Lá fora, antes de ser agarrada pela cintura, Estela viu dezenas de carretas manobrando no pátio. Chegavam os talões.
Nenhum comentário:
Postar um comentário