Era minha última entrega de uma intimação
judicial naquele dia. Faltavam poucos meses para sair de uma vez por todas do
tribunal de justiça e finalmente aposentar minha carcaça. A intimação fora
endereçada para Gregori Náfilas Enoque, um produtor musical, dono do passe de
uma dúzia das mais meteóricas cantoras de salão àquela altura. O sujeito era
também agenciador de novos talentos, um figurão viciado em calmantes, de
temperamento forte e aparência singular. Questionei meu superior sobre a
marcação no relatório em que lia, estavam circuladas em vermelho as palavras
“aparência singular”; e ele apenas apontou para o telefone em minha mesa.
Imediatamente liguei para Virgilio Camelo, o detetive responsável por aqueles
dados. Ele lembrou imediatamente do motivo do destaque.
— Chico, esse tal de Gregori Náfilas, esse cara é suspeito de agressão sexual contra pelo menos duas cantoras, basicamente este é o motivo de você ir entregar a intimação judicial. Os promotores já estão ansiosos, com três testemunhas guardadinhas pra queimar o homem. Por conta da influencia do sujeito, as coisas estão correndo de modo discreto. Você vai, entrega e cai fora sem dar um pio.
— Eu entendi essa parte, Camelo. Quero saber sobre a singularidade.
— O cara é enorme. Enormemente gordo. Um obeso estapafúrdio.
— Chico, esse tal de Gregori Náfilas, esse cara é suspeito de agressão sexual contra pelo menos duas cantoras, basicamente este é o motivo de você ir entregar a intimação judicial. Os promotores já estão ansiosos, com três testemunhas guardadinhas pra queimar o homem. Por conta da influencia do sujeito, as coisas estão correndo de modo discreto. Você vai, entrega e cai fora sem dar um pio.
— Eu entendi essa parte, Camelo. Quero saber sobre a singularidade.
— O cara é enorme. Enormemente gordo. Um obeso estapafúrdio.
— Você deveria ter descrito isso.
— Agora está sabendo. Você nunca vai perder esse cara de vista. Até segui ele por uns dias, bem de perto. Foi divertido.
— Tudo bem, Camelo, já entendi.
— Boa sorte, Chico.
Saí da tribuna e um policial chamado Jeferson Ferro me aguardava nas escadarias, um jovem franzino, sempre com a mão direita reticente em direção ao coldre.
— O que é isso, rapaz? Vai sacar o revólver?
— Não, não senhor. Desculpe.
— Então relaxe o braço.
— Está relaxado, senhor. Desculpe.
— Pare de se desculpar. Você se daria bem no velho oeste, rapaz.
Como praxe, apesar de não ser obrigatório, ele me acompanharia até o momento da entrega do envelope. Só o fato de estar com alguém de distintivo e uniforme, acalmava as coisas e a verdade era que entregar intimações nunca dera qualquer problema, pelo menos não em meu distrito. E, pelo menos, não enquanto eu também carregava uma arma. Uma arma ilegal, mas passável ao olhar borrado dos colegas de justiça.
Quinta feira abafada de verão, final de expediente e começo da noite, nós estávamos num endereço que fervilhava com a classe alta dos jovens artistas e agitadores culturais. Artistas que vagavam pelas madrugadas nos bares de bossa, acendendo longos cigarros para madames escorregadias e ébrias, tanto quanto eles próprios. Antes da noite realmente abraçar essas figuras e em um andar muito acima daquele onde se perpetuavam as longas galerias de entretenimento, precisamente no vigésimo andar, estava o meu destinatário.
— Agora está sabendo. Você nunca vai perder esse cara de vista. Até segui ele por uns dias, bem de perto. Foi divertido.
— Tudo bem, Camelo, já entendi.
— Boa sorte, Chico.
Saí da tribuna e um policial chamado Jeferson Ferro me aguardava nas escadarias, um jovem franzino, sempre com a mão direita reticente em direção ao coldre.
— O que é isso, rapaz? Vai sacar o revólver?
— Não, não senhor. Desculpe.
— Então relaxe o braço.
— Está relaxado, senhor. Desculpe.
— Pare de se desculpar. Você se daria bem no velho oeste, rapaz.
Como praxe, apesar de não ser obrigatório, ele me acompanharia até o momento da entrega do envelope. Só o fato de estar com alguém de distintivo e uniforme, acalmava as coisas e a verdade era que entregar intimações nunca dera qualquer problema, pelo menos não em meu distrito. E, pelo menos, não enquanto eu também carregava uma arma. Uma arma ilegal, mas passável ao olhar borrado dos colegas de justiça.
Quinta feira abafada de verão, final de expediente e começo da noite, nós estávamos num endereço que fervilhava com a classe alta dos jovens artistas e agitadores culturais. Artistas que vagavam pelas madrugadas nos bares de bossa, acendendo longos cigarros para madames escorregadias e ébrias, tanto quanto eles próprios. Antes da noite realmente abraçar essas figuras e em um andar muito acima daquele onde se perpetuavam as longas galerias de entretenimento, precisamente no vigésimo andar, estava o meu destinatário.
O hall de entrada do edifício era portentoso, toda a decoração assimilava tons de vinho e azul escuro e um balcão de mármore tomava uma ponta a outra do local. Uma parte dos funcionários registravam os visitantes, outra parte ciceroneava o fluxo que ia aos restaurantes e salões musicais.
— É grande o suficiente pra esse cara — Falei sozinho enquanto caminhava em direção a uma das recepcionistas.
— Pra quem, senhor? — Perguntou-me Jeferson, colado em meu ombro.
Apontei para o envelope.
— O destinatário.
Encostei-me em uma das pontas do balcão, com o semblante cansado, tentando passar certa austeridade para a atendente, ela mal olhou para minha cara enrugada.
— Não sei se o senhor Enóque irá recebê-lo, ele pediu para que ninguém mais subisse, além da senhorita Barbara Cinnamon. — Informou com petulância a pequena recepcionista dos cabelos repuxados.
— Vou chamar nosso gerente.
Então ele estava acompanhado da musa, cantora maravilhosa, meu sonho de consumo. Isso era um motivo a mais para chegar lá o quanto antes. Eu não poderia passar por nenhuma chateação a partir daquele momento.
— Não importa em qual horário eu venha, pequena, a lei exige o cumprimento da entrega, sem o seu empecilho. Segundo, não precisa anunciar, ou quem sabe ele vai fugir. Apesar quê, nós dois sabemos que isso não vai acontecer. – Bati com o envelope na mesa – Acho que você não quer uma noite amarga de serviço tentando me provocar com a ajuda de um gerente bobalhão que vai escutar a mesma coisa que acabo de te falar, você quer?
— Cobertura, senhor. Mil e um. – Suspirou a recepcionista ajeitando os óculos para ler meu nome no distintivo que eu esfregava em seu nariz. — Escutem vocês dois, aprendam que sempre é possível subornar o ascensorista e assim evitar tornar a minha noite de serviço, amarga. Tá bom? Passar bem e boa noite.
— Eu pensei que não iria simpatizar com você, pequena. Gostei. Vamos, Jeferson. Por que está com a mão no revólver?
O ascensorista girou uma chave especial para liberar o acesso ao último andar. Ele sorriu por toda a subida, sem tirar os olhos de nós dois. Eu estava sem grana para suborno e sem paciência para gorjetas. No entanto, subia uma leve graça em mim, por saber da pequena rusga corrupta entre ele e a recepcionista. Ambos esperando ou uma gorjeta ou um suborno. Danem-se os dois.
— Cobertura, cavalheiros. Boa noite, cavalheiros. Até breve, cavalheiros.
Caberia todo um batalhão de jornalistas com seus equipamentos naquele corredor acarpetado, caso um escândalo irrompesse para o lado do produtor. Eu conheço bastante sobre música. Sou um apaixonado por cantoras solitárias com vozes embargantes. Penélope Húdus, Silvia Star, Francine Docinho, Sandra Lear Mossí, Barbara Cinnamon, dentre outras, todas com tanta potência, todas em minha prateleira, espalhadas musicalmente nos LP’s. Minha pasta de recortes de jornal sobre essas divas iria ganhar mais riqueza com minhas impressões sobre um breve encontro com um desses peixes podres que as rondam na noite, bancando toda a sorte de luxúria. O suposto predador sexual deveria estar confortável, aliviando o calor com um champanhe dos mais caros. A porta do apartamento mil estava aberta e um homem calvo num roupão de veludo azul olhava em direção ao fim do caminho.
— Boa noite, senhor. Algum problema mais pra frente?
O homem calvo nos olhou perifericamente e jogou o nariz para frente, como que apontando.
— Eu não sei. Acabo de escutar um estouro.
Bati com a mão na parede.
— As paredes parecem bem grossas. Uma garrafa de champanhe não faz tanto estardalhaço. — Carreguei ironia na voz.
O homem então se virou para nós e, firmando o laço do roupão, gaguejou:
— Então é o que ambos pensamos e parece que a policia já está na área — Olhou com desprezo para Jeferson — O preço que eu pago nessa porcaria, ainda têm dessas.
Fechou a porta em nossa cara. Jeferson tomou minha frente, com o braço estendido e a arma chacoalhando na mão. Seu rosto alternava as expressões, entre a rudeza de uma estátua militar e o cacoete nervoso de um virgem. Inicialmente, demonstrei confiar no novato e assim fomos para o apartamento mil e um, com ele na dianteira. Poucos passos antes, a porta abriu e um vulto no vão pareceu saltar novamente para dentro. A porta foi rapidamente fechada. Apertei o braço de Jeferson de modo gentil, descendo a certo custo sua empunhadura.
— Pare um pouco, jovem. Vamos ter cautela. Está com o rádio? Chame alguns reforços.
Então ele estava acompanhado da musa, cantora maravilhosa, meu sonho de consumo. Isso era um motivo a mais para chegar lá o quanto antes. Eu não poderia passar por nenhuma chateação a partir daquele momento.
— Não importa em qual horário eu venha, pequena, a lei exige o cumprimento da entrega, sem o seu empecilho. Segundo, não precisa anunciar, ou quem sabe ele vai fugir. Apesar quê, nós dois sabemos que isso não vai acontecer. – Bati com o envelope na mesa – Acho que você não quer uma noite amarga de serviço tentando me provocar com a ajuda de um gerente bobalhão que vai escutar a mesma coisa que acabo de te falar, você quer?
— Cobertura, senhor. Mil e um. – Suspirou a recepcionista ajeitando os óculos para ler meu nome no distintivo que eu esfregava em seu nariz. — Escutem vocês dois, aprendam que sempre é possível subornar o ascensorista e assim evitar tornar a minha noite de serviço, amarga. Tá bom? Passar bem e boa noite.
— Eu pensei que não iria simpatizar com você, pequena. Gostei. Vamos, Jeferson. Por que está com a mão no revólver?
O ascensorista girou uma chave especial para liberar o acesso ao último andar. Ele sorriu por toda a subida, sem tirar os olhos de nós dois. Eu estava sem grana para suborno e sem paciência para gorjetas. No entanto, subia uma leve graça em mim, por saber da pequena rusga corrupta entre ele e a recepcionista. Ambos esperando ou uma gorjeta ou um suborno. Danem-se os dois.
— Cobertura, cavalheiros. Boa noite, cavalheiros. Até breve, cavalheiros.
Caberia todo um batalhão de jornalistas com seus equipamentos naquele corredor acarpetado, caso um escândalo irrompesse para o lado do produtor. Eu conheço bastante sobre música. Sou um apaixonado por cantoras solitárias com vozes embargantes. Penélope Húdus, Silvia Star, Francine Docinho, Sandra Lear Mossí, Barbara Cinnamon, dentre outras, todas com tanta potência, todas em minha prateleira, espalhadas musicalmente nos LP’s. Minha pasta de recortes de jornal sobre essas divas iria ganhar mais riqueza com minhas impressões sobre um breve encontro com um desses peixes podres que as rondam na noite, bancando toda a sorte de luxúria. O suposto predador sexual deveria estar confortável, aliviando o calor com um champanhe dos mais caros. A porta do apartamento mil estava aberta e um homem calvo num roupão de veludo azul olhava em direção ao fim do caminho.
— Boa noite, senhor. Algum problema mais pra frente?
O homem calvo nos olhou perifericamente e jogou o nariz para frente, como que apontando.
— Eu não sei. Acabo de escutar um estouro.
Bati com a mão na parede.
— As paredes parecem bem grossas. Uma garrafa de champanhe não faz tanto estardalhaço. — Carreguei ironia na voz.
O homem então se virou para nós e, firmando o laço do roupão, gaguejou:
— Então é o que ambos pensamos e parece que a policia já está na área — Olhou com desprezo para Jeferson — O preço que eu pago nessa porcaria, ainda têm dessas.
Fechou a porta em nossa cara. Jeferson tomou minha frente, com o braço estendido e a arma chacoalhando na mão. Seu rosto alternava as expressões, entre a rudeza de uma estátua militar e o cacoete nervoso de um virgem. Inicialmente, demonstrei confiar no novato e assim fomos para o apartamento mil e um, com ele na dianteira. Poucos passos antes, a porta abriu e um vulto no vão pareceu saltar novamente para dentro. A porta foi rapidamente fechada. Apertei o braço de Jeferson de modo gentil, descendo a certo custo sua empunhadura.
— Pare um pouco, jovem. Vamos ter cautela. Está com o rádio? Chame alguns reforços.
Ele parecia ter se atrapalhado com
minha interrupção e mesmo com minha cara feia em sua frente, tentava não tirar
os olhos da porta — Veja só — Abri
o paletó o suficiente para que ele pudesse ver meu revolver no coldre, junto ao
coração. — Eu cuido das coisas enquanto você desce até a
recepção. Chame sua turma e, por favor, ligue para o Detetive Camelo. Se minha
aspereza fizesse efeito, ficaria ao menos cara a cara com a cantora.
— Senhor, como autoridade maior, eu preciso ficar no local, você pode fazer isso.
Enquanto ele falava, eu batia na porta por três vezes, de modo firme. O policial recuou surpreso com as batidas.
— Tarde demais. Vá logo fazer isso, eu seguro as coisas aqui. Ou você pode começar uma negociação, seja lá o que for que tenha ocorrido aqui. Vá — Empurrei-o nervosamente — Ora, vamos, inventamos uma história depois e você sai por cima — Aliviei.
Pela fresta inferior da porta passava um facho de luz. Bati novamente. O facho de luz sumiu e então achei melhor ficar de lado, diminuindo meu corpo como alvo, caso quisessem varar balas por ele. É uma fantasia comum, passar o tempo todo na expectativa de uma chuva de balas, apesar de que, recebo-as de verdade é na forma de palavrões. Acendi um cigarro e baforei fumaça sobre a madeira, esperando que ela penetrasse como um aviso. Ser um oficial de justiça, uma espécie de garoto de recados de um juiz, nunca foi das profissões mais perigosas, mas ao menos era agitada. A pose que assumi naquele momento, vinha atada ao corpo da profissão. De qualquer modo, algumas vezes, era melhor molhar as canelas no lodo dos outros, garantido serviço completo. Apesar de que, em minha idade, quase na aposentadoria, os pontos com os juízes já não contavam e nem importavam mais. Credito isso a minha personalidade ranzinza de justiceiro. Dane-se essa droga.
— Senhor Gregori Náfilas Enoque? Francisco Carpa, oficial de justiça. Incumbido da entrega de uma intimação. Preciso da sua assinatura, preferencialmente antes das oito da noite, assim o expediente é respeitado. Poderia por favor, apressar o meu lado?
Soltei mais uma longa baforada de fumaça. E uma voz rouca subiu, vinda de longe, pelo lado de dentro.
— Então... Entre logo e vamos acabar com isto.
Girei a maçaneta e abri toda a porta de uma só vez. A luz do corredor projetou minha sombra no ambiente. A claridade somou-se a apenas dois abajures, um deles sobre uma mesa ao lado de um telefone preto, o outro, mais alto, em uma espécie de pedestal, ao lado da figura distinta de Enoque. Não o vi por completo, mesmo com todo o tamanho daquele homem. Encerravam-se mais sombras do que luz naquela que parecia uma espécie de sala conjugada com um escritório. Calculei vinte passos até ele, sentado numa poltrona de couro negro que pareceu muito confortável, guardando aquela morbidez de gordura. Sai da soleira e me adiantei o suficiente para livrar a porta, levei o envelope com a intimação até a linha da minha cintura, deixei a mão direita livre. Pedi licença e fechei a porta com o pé, suavemente. Próxima à janela, que estava com as cortinas semicerradas, havia uma mesa de mogno escuro com uma pequena cadeira, na parede contrária havia uma pilha de dinheiro, ao lado de um cofre entreaberto e embutido por entre duas prateleiras saltadas do que parecia uma espécie de biblioteca, mesclando livros com discos. Atrás de Enoque, percebi o brilho das garrafas de um bar e uma mesinha apoiando uma vitrola antiquada, que pude definir pelo dourado de sua cornucópia e o bonito som que ressoava em volume mediano. A música eriçou minha nuca e então, neste momento, senti a presença de uma segunda pessoa, parada a cerca de um metro, do meu lado direito.
No rol das cantoras famosas, sem dúvidas, Barbara Cinnamon havia sido por muitos anos a melhor de todas. Tinha dois compactos dela em minha coleção. Por muitas vezes cantarolei no caminho do trabalho as suas baladas sôfregas e amorosas, “Ninguém é obrigado a fazer o impossível” e “Noite finda sempre linda”. E foi nela em quem parei meu olhar assustado, naquela meia penumbra. Loira de corpo esguio, pele dourada contrastando com o vestido longo, todo prateado, com riscos que lembravam pequenos cometas cintilantes. Lábios coloridos de um vermelho intenso, nariz empinado, brilhando com uma maquilagem também rosácea, delineada até a altura das finas sobrancelhas, arqueadas num sorriso invertido, suportando aquele olhar. Um olhar de íris verde, que mirava em um ponto fixo, do outro lado do ambiente. Sua posição é que me partira o coração naquele momento. Estava com as costas coladas em um espelho que recheava toda a parede, terminando pouco antes da porta de entrada. Os joelhos virados, um de frente para o outro, e os saltos firmemente cravados no carpete enrugado. Claramente havia tombado, obviamente por conta do furo em seu dorso, um ponto cor de vinho no meio do avultado decote. Um filete de sangue descia lentamente, gotejando no chão.
Toda essa percepção durou não mais que alguns segundos. Aprumei minha postura, redobrando a atenção, neste ponto, a música se fez mais presente. Rodava suas notas no ar desde o momento em que bati à porta, aquela melodia vazando sussurrada. No entanto, eu a relevei, não fez presença em minha cabeça até aquele momento, as preocupações eram somáticas. Mas agora, sabendo da tragédia ao meu lado, as ligações firmaram-se.
“Ninguém é obrigado a fazer o impossível. Lutamos todo dia, esperamos lado a lado. Eu quero que você nunca me esqueça. Deu tanto trabalho, te ter, merecer. Assim é pra mim, tudo é um sonho feliz, a chuva a cair, apenas as penas, o choro correndo e o vento assovia, sorria, sorria, sorria.”
— Você pode ter duas escolhas razoáveis vindas de mim. Pode levantar sua bunda gorda e contar o que aconteceu na altura dos meus olhos ou pode apenas dizer que a matou e então fechar os olhos enquanto eu miro em sua cabeça.
Eu estava nervoso, irracionalmente nervoso. Mesmo sem resposta eu poderia matar ele.
— Espere, por favor. Você não tem ideia. Você não sabe nada a meu respeito, eu não faria , não faria... Nunca, jamais. Eu tenho contatos, sou um homem milionário.
Andei até a mesa de escritório e nela arremessei o envelope com a intimação. Com estes poucos passos, pude ver melhor aquela figura. Um homem nojento, vazando suor de todos os poros, com um terno riscado em pleno verão e a braguilha escancarada com um contorno repugnante de seu sexo a mostra. Graças a Deus que aquilo não estava claro aos meus olhos.
— Você usou as palavras erradas, seu desgraçado. Acha que vou te dar tempo para a policia chegar até aqui?
Ele recrudesceu na poltrona e o couro rangeu muito alto. Enoque gemeu por alguns segundos antes de tentar aplacar minha fúria.
— Por favor, você não sabe o que aconteceu aqui. Veja, leve o dinheiro embora contigo. Eu assino a intimação, vamos esquecer isso. Por favor, seja rápido. Você não compreende.
Por um momento, mesmo num insano espiral vingativo, o tom de urgência naquela voz pastosa me pôs novamente a raciocinar. Recuei até voltar ao espelho, agora ao lado de Barbara. Olhei rapidamente para ela, os olhos ainda estáticos, julguei estar morta. Olhei para o produtor musical, sua boca balbuciava, ressoava um gemido e a poltrona rangendo, tudo sobreposto a canção que chegava aos versos finais na vitrola.
“Ninguém é obrigado a fazer o impossível. Olhar nos teus olhos vazios. Eu sei que está lá, o olho é a alma, a calma perdida, agora partida, aos cacos ferida. Me olhe, me olhe, não esqueça que a vida o vento assovia, sorria, sorria, sorria.”
— Você falou novamente as palavras erradas. Vou lhe dar mais uma chance. Aproveite.
Saquei minha arma e imediatamente bati com o cabo no espelho, partindo-o por inteiro. Não chegou a desmoronar em mil pedaços como imaginei em minha cabeça, mas ficou inteiramente rachado. Ergui a palma das mãos com a arma pensa entre os dedos, sacudi-as no ar, como que esperando algo do sujeito. Então ele pareceu compreender o que fiz e, sem voz, soletrou sua mensagem. Pude então ler seus lábios, que foram breves e desesperadamente trêmulos.
“Ele/está/atrás/de/mim”.
O mais rápido que minhas pernas puderam, corri em direção a ele, o revolver teso na frente, o corpo indo de lado, reflexo da “chuva de balas”. Passei Enoque e então saltei, girando o ombro e mirando na escuridão total que reinava por detrás daquele monumento vivo. Meu calculo exagerado acabou por me arremessar na prateleira de bebidas. Cuspindo Bourbon que se espatifara em minha cabeça, chacoalhava a arma enquanto balbuciava palavras de ordem. Aquela não era minha vida, realmente. Do menor dos males, não havia nada atrás daquele homem obeso, grudado no assento. Constatara isso com toda certeza, após puxar com um dos pés o pedestal do abajur.
— Você está me fazendo de palhaço, seu filho da puta. — Bufei de joelhos, pronto a me levantar.
Enoque gemeu mais alto do que antes, pus-me de pé e estava pronto a esmurrar seu pescoço quando um tiro abafado foi disparado. A vitrola tombada ajudou a estimular o silencio sepulcral que se seguiu. Fiquei ao lado de Enoque e então, após ver a marca da bala em sua barriga, voltei com tudo para a estante de bebidas quebradas. Naquele momento eu precisava de um abrigo melhor, mas nem ao menos fazia ideia de onde estava escondida uma terceira pessoa. Se aquilo já não era estimulo suficiente para um enfarto, a porta da frente foi estourada.
— Largue a arma. Saia das sombras.
Pelo susto, larguei o revolver no chão.
— Sou eu, Camelo. Chico.
O detetive baixou sua guarda e abriu espaço para Jeferson entrar. De fora vinha o murmúrio de mais policiais.
— Este, sentado bem à moda, é o senhor Gregori Náfilas Enoque. E esta ao lado de vocês, infelizmente, é a cantora, a linda, senhorita Barbara Cinnamon.
— Sim, os reconheço, Chico. Mas, também infelizmente, a cantora Barbara Cinnamon, não é, ou era, aparentemente, senhorita. É, ou era, uma senhora.
Pendi os lábios, secos do recente pavor e stress ao qual havia me submetido, respondendo na defensiva.
— É ou era, veja só, ela está morta. Já era. Não importa, Camelo, senhora ou senhorita.
O detetive passou a mão na barba rala e devolveu:
— Importa muito, Chico. Pois ela era mulher de um escroque safado, um estelionatário chamado Juliano Frei, conhecido nos inferninhos como Fininho. E é fácil aumentar a importância deste vagabundo. Pois foi só apertar o pescoço do ascensorista, que não parava de rir de nossa cara no elevador, que o bossa mole desembuchou. Contando a aventura de um cara magérrimo que chegara hoje no final da tarde com duas notas de cem cruzados pedindo pra ser introduzido sem rodeios diretamente ao último andar. Pouco depois de uma madame linda e cheirosa subir e pouco antes de um velhaco mal humorado e um policial com cara de bobo também subirem. Palavras dele, juro. Tá bom pra você, Chico?
Minha mente vagava, tentando conectar a informação. Jeferson caminhou até o meio da sala e acendeu a luz principal do ambiente. Na claridade, olhei pela última vez para aqueles olhos enormes e verdes do outro lado da sala . Eles lentamente se moveram, suavemente, pouco antes das pálpebras descerem, aqueles olhos fixaram-se em um novo ponto. Na barriga furada de Enoque. Acompanhei aquela direção, voltei minha visão para Barbara e acima de sua cabeça loira, num dos trincos do espelho, brilhou o cano de um revolver, saindo debaixo do braço direito do cadáver obeso.
— Saiam daí. Vai atirar, ele está...
Uma chuva de balas varou a sala. Jeferson havia se jogado no chão e o detetive Camelo pulado para fora. O espelho finalmente vinha ao chão com seus milhares de cacos. Empunhei o revolver novamente e disparei três tiros nas costas da poltrona de couro. O show acabava ali. Logo entrou uma multidão de policiais e detetives.
— Venha, Jeferson. Levante-se. Hoje foi seu dia de sorte.
Quatro homens levantaram o cadáver de Gregori Náfilas Enoque. O marido, absurdamente marido daquela estrela, um homem mirrado, violentamente feio eestava destripado pelos meus três tiros. Jeferson o descolou do couro, banhado em duplo suor, dele e do seu escudo humano.
— Que ideia, hein, Chico? Esconder-se na bunda de um gordão. Porra, vemos de tudo nessa profissão.
— Na sua profissão, Camelo. Na minha, não.
— Senhor, como autoridade maior, eu preciso ficar no local, você pode fazer isso.
Enquanto ele falava, eu batia na porta por três vezes, de modo firme. O policial recuou surpreso com as batidas.
— Tarde demais. Vá logo fazer isso, eu seguro as coisas aqui. Ou você pode começar uma negociação, seja lá o que for que tenha ocorrido aqui. Vá — Empurrei-o nervosamente — Ora, vamos, inventamos uma história depois e você sai por cima — Aliviei.
Pela fresta inferior da porta passava um facho de luz. Bati novamente. O facho de luz sumiu e então achei melhor ficar de lado, diminuindo meu corpo como alvo, caso quisessem varar balas por ele. É uma fantasia comum, passar o tempo todo na expectativa de uma chuva de balas, apesar de que, recebo-as de verdade é na forma de palavrões. Acendi um cigarro e baforei fumaça sobre a madeira, esperando que ela penetrasse como um aviso. Ser um oficial de justiça, uma espécie de garoto de recados de um juiz, nunca foi das profissões mais perigosas, mas ao menos era agitada. A pose que assumi naquele momento, vinha atada ao corpo da profissão. De qualquer modo, algumas vezes, era melhor molhar as canelas no lodo dos outros, garantido serviço completo. Apesar de que, em minha idade, quase na aposentadoria, os pontos com os juízes já não contavam e nem importavam mais. Credito isso a minha personalidade ranzinza de justiceiro. Dane-se essa droga.
— Senhor Gregori Náfilas Enoque? Francisco Carpa, oficial de justiça. Incumbido da entrega de uma intimação. Preciso da sua assinatura, preferencialmente antes das oito da noite, assim o expediente é respeitado. Poderia por favor, apressar o meu lado?
Soltei mais uma longa baforada de fumaça. E uma voz rouca subiu, vinda de longe, pelo lado de dentro.
— Então... Entre logo e vamos acabar com isto.
Girei a maçaneta e abri toda a porta de uma só vez. A luz do corredor projetou minha sombra no ambiente. A claridade somou-se a apenas dois abajures, um deles sobre uma mesa ao lado de um telefone preto, o outro, mais alto, em uma espécie de pedestal, ao lado da figura distinta de Enoque. Não o vi por completo, mesmo com todo o tamanho daquele homem. Encerravam-se mais sombras do que luz naquela que parecia uma espécie de sala conjugada com um escritório. Calculei vinte passos até ele, sentado numa poltrona de couro negro que pareceu muito confortável, guardando aquela morbidez de gordura. Sai da soleira e me adiantei o suficiente para livrar a porta, levei o envelope com a intimação até a linha da minha cintura, deixei a mão direita livre. Pedi licença e fechei a porta com o pé, suavemente. Próxima à janela, que estava com as cortinas semicerradas, havia uma mesa de mogno escuro com uma pequena cadeira, na parede contrária havia uma pilha de dinheiro, ao lado de um cofre entreaberto e embutido por entre duas prateleiras saltadas do que parecia uma espécie de biblioteca, mesclando livros com discos. Atrás de Enoque, percebi o brilho das garrafas de um bar e uma mesinha apoiando uma vitrola antiquada, que pude definir pelo dourado de sua cornucópia e o bonito som que ressoava em volume mediano. A música eriçou minha nuca e então, neste momento, senti a presença de uma segunda pessoa, parada a cerca de um metro, do meu lado direito.
No rol das cantoras famosas, sem dúvidas, Barbara Cinnamon havia sido por muitos anos a melhor de todas. Tinha dois compactos dela em minha coleção. Por muitas vezes cantarolei no caminho do trabalho as suas baladas sôfregas e amorosas, “Ninguém é obrigado a fazer o impossível” e “Noite finda sempre linda”. E foi nela em quem parei meu olhar assustado, naquela meia penumbra. Loira de corpo esguio, pele dourada contrastando com o vestido longo, todo prateado, com riscos que lembravam pequenos cometas cintilantes. Lábios coloridos de um vermelho intenso, nariz empinado, brilhando com uma maquilagem também rosácea, delineada até a altura das finas sobrancelhas, arqueadas num sorriso invertido, suportando aquele olhar. Um olhar de íris verde, que mirava em um ponto fixo, do outro lado do ambiente. Sua posição é que me partira o coração naquele momento. Estava com as costas coladas em um espelho que recheava toda a parede, terminando pouco antes da porta de entrada. Os joelhos virados, um de frente para o outro, e os saltos firmemente cravados no carpete enrugado. Claramente havia tombado, obviamente por conta do furo em seu dorso, um ponto cor de vinho no meio do avultado decote. Um filete de sangue descia lentamente, gotejando no chão.
Toda essa percepção durou não mais que alguns segundos. Aprumei minha postura, redobrando a atenção, neste ponto, a música se fez mais presente. Rodava suas notas no ar desde o momento em que bati à porta, aquela melodia vazando sussurrada. No entanto, eu a relevei, não fez presença em minha cabeça até aquele momento, as preocupações eram somáticas. Mas agora, sabendo da tragédia ao meu lado, as ligações firmaram-se.
“Ninguém é obrigado a fazer o impossível. Lutamos todo dia, esperamos lado a lado. Eu quero que você nunca me esqueça. Deu tanto trabalho, te ter, merecer. Assim é pra mim, tudo é um sonho feliz, a chuva a cair, apenas as penas, o choro correndo e o vento assovia, sorria, sorria, sorria.”
— Você pode ter duas escolhas razoáveis vindas de mim. Pode levantar sua bunda gorda e contar o que aconteceu na altura dos meus olhos ou pode apenas dizer que a matou e então fechar os olhos enquanto eu miro em sua cabeça.
Eu estava nervoso, irracionalmente nervoso. Mesmo sem resposta eu poderia matar ele.
— Espere, por favor. Você não tem ideia. Você não sabe nada a meu respeito, eu não faria , não faria... Nunca, jamais. Eu tenho contatos, sou um homem milionário.
Andei até a mesa de escritório e nela arremessei o envelope com a intimação. Com estes poucos passos, pude ver melhor aquela figura. Um homem nojento, vazando suor de todos os poros, com um terno riscado em pleno verão e a braguilha escancarada com um contorno repugnante de seu sexo a mostra. Graças a Deus que aquilo não estava claro aos meus olhos.
— Você usou as palavras erradas, seu desgraçado. Acha que vou te dar tempo para a policia chegar até aqui?
Ele recrudesceu na poltrona e o couro rangeu muito alto. Enoque gemeu por alguns segundos antes de tentar aplacar minha fúria.
— Por favor, você não sabe o que aconteceu aqui. Veja, leve o dinheiro embora contigo. Eu assino a intimação, vamos esquecer isso. Por favor, seja rápido. Você não compreende.
Por um momento, mesmo num insano espiral vingativo, o tom de urgência naquela voz pastosa me pôs novamente a raciocinar. Recuei até voltar ao espelho, agora ao lado de Barbara. Olhei rapidamente para ela, os olhos ainda estáticos, julguei estar morta. Olhei para o produtor musical, sua boca balbuciava, ressoava um gemido e a poltrona rangendo, tudo sobreposto a canção que chegava aos versos finais na vitrola.
“Ninguém é obrigado a fazer o impossível. Olhar nos teus olhos vazios. Eu sei que está lá, o olho é a alma, a calma perdida, agora partida, aos cacos ferida. Me olhe, me olhe, não esqueça que a vida o vento assovia, sorria, sorria, sorria.”
— Você falou novamente as palavras erradas. Vou lhe dar mais uma chance. Aproveite.
Saquei minha arma e imediatamente bati com o cabo no espelho, partindo-o por inteiro. Não chegou a desmoronar em mil pedaços como imaginei em minha cabeça, mas ficou inteiramente rachado. Ergui a palma das mãos com a arma pensa entre os dedos, sacudi-as no ar, como que esperando algo do sujeito. Então ele pareceu compreender o que fiz e, sem voz, soletrou sua mensagem. Pude então ler seus lábios, que foram breves e desesperadamente trêmulos.
“Ele/está/atrás/de/mim”.
O mais rápido que minhas pernas puderam, corri em direção a ele, o revolver teso na frente, o corpo indo de lado, reflexo da “chuva de balas”. Passei Enoque e então saltei, girando o ombro e mirando na escuridão total que reinava por detrás daquele monumento vivo. Meu calculo exagerado acabou por me arremessar na prateleira de bebidas. Cuspindo Bourbon que se espatifara em minha cabeça, chacoalhava a arma enquanto balbuciava palavras de ordem. Aquela não era minha vida, realmente. Do menor dos males, não havia nada atrás daquele homem obeso, grudado no assento. Constatara isso com toda certeza, após puxar com um dos pés o pedestal do abajur.
— Você está me fazendo de palhaço, seu filho da puta. — Bufei de joelhos, pronto a me levantar.
Enoque gemeu mais alto do que antes, pus-me de pé e estava pronto a esmurrar seu pescoço quando um tiro abafado foi disparado. A vitrola tombada ajudou a estimular o silencio sepulcral que se seguiu. Fiquei ao lado de Enoque e então, após ver a marca da bala em sua barriga, voltei com tudo para a estante de bebidas quebradas. Naquele momento eu precisava de um abrigo melhor, mas nem ao menos fazia ideia de onde estava escondida uma terceira pessoa. Se aquilo já não era estimulo suficiente para um enfarto, a porta da frente foi estourada.
— Largue a arma. Saia das sombras.
Pelo susto, larguei o revolver no chão.
— Sou eu, Camelo. Chico.
O detetive baixou sua guarda e abriu espaço para Jeferson entrar. De fora vinha o murmúrio de mais policiais.
— Este, sentado bem à moda, é o senhor Gregori Náfilas Enoque. E esta ao lado de vocês, infelizmente, é a cantora, a linda, senhorita Barbara Cinnamon.
— Sim, os reconheço, Chico. Mas, também infelizmente, a cantora Barbara Cinnamon, não é, ou era, aparentemente, senhorita. É, ou era, uma senhora.
Pendi os lábios, secos do recente pavor e stress ao qual havia me submetido, respondendo na defensiva.
— É ou era, veja só, ela está morta. Já era. Não importa, Camelo, senhora ou senhorita.
O detetive passou a mão na barba rala e devolveu:
— Importa muito, Chico. Pois ela era mulher de um escroque safado, um estelionatário chamado Juliano Frei, conhecido nos inferninhos como Fininho. E é fácil aumentar a importância deste vagabundo. Pois foi só apertar o pescoço do ascensorista, que não parava de rir de nossa cara no elevador, que o bossa mole desembuchou. Contando a aventura de um cara magérrimo que chegara hoje no final da tarde com duas notas de cem cruzados pedindo pra ser introduzido sem rodeios diretamente ao último andar. Pouco depois de uma madame linda e cheirosa subir e pouco antes de um velhaco mal humorado e um policial com cara de bobo também subirem. Palavras dele, juro. Tá bom pra você, Chico?
Minha mente vagava, tentando conectar a informação. Jeferson caminhou até o meio da sala e acendeu a luz principal do ambiente. Na claridade, olhei pela última vez para aqueles olhos enormes e verdes do outro lado da sala . Eles lentamente se moveram, suavemente, pouco antes das pálpebras descerem, aqueles olhos fixaram-se em um novo ponto. Na barriga furada de Enoque. Acompanhei aquela direção, voltei minha visão para Barbara e acima de sua cabeça loira, num dos trincos do espelho, brilhou o cano de um revolver, saindo debaixo do braço direito do cadáver obeso.
— Saiam daí. Vai atirar, ele está...
Uma chuva de balas varou a sala. Jeferson havia se jogado no chão e o detetive Camelo pulado para fora. O espelho finalmente vinha ao chão com seus milhares de cacos. Empunhei o revolver novamente e disparei três tiros nas costas da poltrona de couro. O show acabava ali. Logo entrou uma multidão de policiais e detetives.
— Venha, Jeferson. Levante-se. Hoje foi seu dia de sorte.
Quatro homens levantaram o cadáver de Gregori Náfilas Enoque. O marido, absurdamente marido daquela estrela, um homem mirrado, violentamente feio eestava destripado pelos meus três tiros. Jeferson o descolou do couro, banhado em duplo suor, dele e do seu escudo humano.
— Que ideia, hein, Chico? Esconder-se na bunda de um gordão. Porra, vemos de tudo nessa profissão.
— Na sua profissão, Camelo. Na minha, não.
Ele apertou meu ombro com camaradagem.
— Você até deu tiro hoje, Chico. Que eu saiba, na sua vida, só tinha disparado outras quatro vezes.
— Imagina, cara. — Ri sem graça, correndo os olhos pelos policiais que faziam o isolamento da cena. — Foram apenas outras duas vezes.
— Contando com o ascensorista?
Rimos juntos.
— Ah, sim. O ascensorista será agora na descida.
*****!
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