sexta-feira, 3 de maio de 2019

Itadakimasu. O último rodízio japonês da Liberdade.


Itadakimasu — O Último Rodízio da Liberdade

Tanta miséria lá fora, yakisoba frio nas wok enferrujadas, arroz endurecido como memória ruim. Dentro, o cheiro antigo de saquê misturado a óleo velho e gengibre cansado.

Uma aranha shimeji pela parede descascada, mais devagar que o relógio parado sobre o balcão.

Hashi! — espirrou Wa, lá dos fundos. Wasabi que não precisa de pressa. Wa já não tem clientes há meses. Talvez anos.

Velho sério, nori. Sua pele marcada parece papel de arroz molhado, os olhos dois brotos de tristeza marinada.

A porta da frente foi selada por sangue e poeira. Um adesivo esfarelado avisa: Fechado para sempre ou para o que sobrar. Foi saquê quem segurou tantas invasões, garrafas quebradas viradas em barricada, katana improvisada em colher de pau.

O último japonês da Liberdade peitou até a máquina de guerra política. "Shoyu think you can beat us, old man Wa?" lhe gritaram um dia, antes de riscarem cicatrizes no peito, que só o tempurá quente acalmava.

O udon culinário de Wa não é páreo para o fim do mundo. Tampouco o ramen político que servem lá fora.

I missô you, good old days... — cantarolou, enquanto a cabeça ia algas no fogão.

Itadakimasu, velho Wa.

Foi um banquete enquanto durou.

Nenhum comentário:

Postar um comentário