sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Levy Fidelix e os universos paralelos




Levy Fidelix constrói aerocafé expresso por 0,50 centavos e faz sucesso em SP

Levy Fidelix implementa aerobol como esporte oficial no Brasil

Levy Fidelix inaugura casa erótica com performances de aerosexo

Levy Fidelix reclama direitos autorais na criação do termo "aerolitos"

Levy Fidelix, autor de "Harry Potter, o aerofilosofal" está animado com Hollywood

Levy Fidelix descarta aerotrem. "Nunca vai ser" - desabafa em entrevista.

Levy Fidelix reinaugura o aeroanta em SP.

Levy Fidelix é julgado inocente no processo sobre o descarte de aerossol na atmosfera.

Levy Fidelix busca esta noite recuperar o cinturão das aerolutas contra Enéas, o Carneiro.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Danoninho

1980 - Na churrascaria "Acerta na Carne" da estrada M. Boi Mirim, o garção servia de sobremesa Danoninho.

"Madame, um Danoninho vale por um bifinho!"

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Sexo oral

O uso de frases elaboradas em língua portuguesa para a prática do sexo oral
- Tomás Hehe Ibera -

(Página 23)

Homem > Mulher

"É ele, o Leleco lelé, levando bricabraque no Chevette que zuni: "vrum, vrum".

Mulher > Homem

"Amo mamão assado, jujuba e marmelada, amo mais que chuchu na chuva".

Assuntos antes do bar fechar

•(ㅅ)• Escola do Cervejismo Mágico •(ㅅ)•

◣- Assuntos antes do bar fechar ◢-

◢◢

O alho tem odor quando está sozinho na floresta?

Não seria o correto perguntar: "Se uma árvore cai na floresta, mas não há ninguém por perto, ela faz barulho"?

Aí está a resposta. A arvore cai por conta do cheiro forte do alho. E faz barulho, pois ela odeia alho.

Amigo, isso até que faz sentido.

Sim, faz.

***

Suponhamos que você chame um sujeito de janota, só que o faz de modo discreto. Ele já nota ou passa despercebido?

Suponhamos que eu não saiba nem o que significa janota.

***

Ardeu?

Ar, er, ir, or, ur, todos deram.

***


Manda uma torre de cinco litros de saideira.

Ah, e manda não cobrar, vai ser da casa, não vai não?


*
*

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Abaçaí / abacalhoar / Abacamartado / Abaçanado / Abaçanar


Urerê agachou na beira do rio para beber água. Sentiu uma presença em suas costas. Por intuição, mergulhou no rio sem olhar para trás. Boiando no trecho mais calmo das águas, viu outro indio no mesmo local onde havia agachado.
"Quem é?" Gritou.
"Sou eu, o seu perseguidor."
"Suma. Suma daqui. Você é um Abaçaí."
"Pegue na água esse peixe. Vou abacalhoar ele para o jantar."
Urerê sentiu então um peixe roçar sua mão submersa. Prontamente o afugentou e então nadou até a margem oposta. Saiu da água e correu para a mata fechada. Topou com o seringueiro Matias, único morador branco da região. Ele segurava um tronco de madeira abacamartado.
"Calma lá, indio. Seu lado de caça é pra lá. Pode voltar."
"Um Abaçaí me persegue."
"Não quero confronto tribal aqui. Volte!"
"Me dá o tronco. Estou de mãos vazias."
O seringueiro Matias entregou a madeira para Urerê, esperando dar fim a chateação. De volta a margem, viu o Abaçaí no mesmo ponto, deitado sobre folhas secas. Então apontou o tronco abacamartado e gritou: "Vou te matar com o chumbo". O Abaçaí pôs-se de pé.
"Acha que sou como a anta? Não caio nessa. É truque de homem branco. Fraco."
Matias surge da mata, vindo para conferir se o indio retornara para o lado certo do rio.
"Isso é ridiculo. Vamos, nade para o outro lado."
Furioso, o Abaçaí rogou uma praga: "Como o abaçanado de minha pele, vai o homem branco abaçanar. Abaçanado então, te seguirei por toda a vida, até enlouquecer!"
Matias retirou um revolver de sua cintura e atirou em Urerê. Mirou no Abaçaí e atirou mais duas vezes. Urerê tombou sem vida dentro do rio. Abaçaí urrou, com um ferimento no estomago. Mancou para o meio da mata. Matias guardou a arma, satisfeito. Apenas no fim do dia, em sau casa, viu com horror no espelho, seu rosto abaçanado.

ababila / ababocado / ababelado / ababelar / ababil



Mussá fitava o horizonte dourado do deserto. Daila, a esposa, agachou-se ao seu lado, na varanda do quarto, preocupada com o silêncio do marido.
"Mussá, me conte sua preocupação? O que vem do infinito das areias?"
Sem tirar os olhos do longinquo limite de visão, limitou-se a pedir um jarro de água.
Daila encheu dois copos. Um para si e o outro colocou entre os dedos do homem. Eis que Mussá agitou-se e o copo perdeu-se no chão.
"Mussá, Mussá, o que ocorre?"
Ele apontou para a frente, trêmulo, as faces vermelhas.
"Ababil, um Ababil, Daila. Olhe! Alá condena nossas vidas de pecado."
O copo de Daila também foi ao chão. Juntos viram nascer, no horizonte do Saara, um ciclone de areia, uma imensa coluna ababelada e escura, recheada de trovões retumbando em seu interior.
"Vamos descer, vamos correr"
"Vamos morrer, Mussá".
No quintal, puderam ver a sombra do topo da coluna abraçando as paredes da casa. E então essa coluna dividiu-se em duas e o casal se abraçou ababocado pelo som violento que pousava no telhado.
"Daila, são ababil e ababila... Suba na..."
O casal levantou vôo no turbilhão ensandecido dos demônios ianques, ababelaram seus corpos com a força do vento.
"Burn the house down... big bad bada boom... soldier!"
Apache Thunder Thor e Apache Tomahawk completaram a missão e retornaram para base. Mussá e Daila tornaram-se apenas vestigios, carregados por Alá, nas asas mortais de Ababil e Ababila.

aal/ aalclim / aaleniano / aalênio / aaquênio /



Três irmãos, Aaleniano, Aalênio, Aaquênio, após arrastarem-se pelas areias escaldantes do deserto, toparam com um camelo morto. A carcaça do animal estava comida pela metade. Aalênio cheirou a carne rasgada e avisou seus irmãos de que ainda estava fresca. Os três beberam do sangue e comeram da carne, desesperados que estavam pelo castigo do Saara. Aaquênio ergueu a cabeça e cuspiu tudo o que mastigava. Com terrivel dor, espargiu  pelas areias. Aalênio cheirou mais uma vez a carne, provou mais uma vez o sangue. Olhou então para Aaleniano e disse: "Este camelo foi abatido por mercadores da morte. Dos restos que não mais lhes serviam, misturaram pedaços de aalclim e então besuntaram com aal para mascarar o forte cheiro de veneno"! Ao término da fala, a garganta em brasa, o sangue vazando dos olhos, Aalênio viu mortos os irmãos e enterrou todo seu corpo para dentro da carcaça, de modo a servir de aviso para outros incautos.

aba / ababa/ ababadados / ababadar / ababaia

“Entorta a aba do boné, moleque! Aba reta é do capeta”.
“Mas mãe...”
“Fica quieto. Me passa a ababa que vou fazer um chorume pra Jesus”.
“Mãe, Jesus não come gordura!”.
A mãe deu um safanão na cabeça do filho que imediatamente a aba do boné voltou a ser reta.
“Entorta essa aba, criatura”.
O garoto ajoelhou aos pés da mãe e apertou as mãos no ababado do vestido dominical.
“Tu quer ababadar mais ainda o ababado, ô disgraça”?
“Mãe, vê se perdoa eu”!
Gentilmente a mãe acariciou o rosto do garoto e entortou novamente a aba do boné que teimosamente voltara à forma de prancha.
“Felipino, amor da mamãe, te perdoo. Agora vá na ababaia e pega uns frutos verdes que vou terminar o chorume de Jesus”.
“Mas mãe, Jesus não come gor...”
E tomou outro safanão. O garoto seguiu tristonho para a ababaia, com a aba reta novamente.

sábado, 28 de setembro de 2013

Gravidade


.ao normal soɔnod soɐ ɐʇloʌ opnʇ ǝ
˙ǝɯnlóɔuı zɐƃnɟ ǝʇuǝlosuı oɔıʇáɯnǝlɟ :lɐɯɹou oɐ áɹɐʇloʌ opnʇ ǝ sɐɔıʇsılɐqɐɔ sɐɹʌɐlɐd sɐ ɹǝzıp osıɔǝɹd é sopɐoɾuǝ soɯǝnbıɟ ǝnb sǝʇuɐ ˙ǝpɐpıʌɐɹƃ ɐ nǝʇɹǝʌuı ɐɹoɟ-sǝʌou oɔıƃáɯ o

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Salgados

Salgados

No meio da empada tinha uma azeitona
No meio da azeitona tinha um caroço
No meio do dente um trinco
No meio da alma, a dor.
Puta que pariu!

Comi coxinha com gosto de sardinha
Ao terminar, tinha uma peninha
Que dózinha da galinha
Puta que pariu!

As três pontas da esfiha
As três pontas queimadas
Mordi no meio e era massa
Puta que pariu!

Filtrei o pastel

Quarenta guardanapos
Quarenta!
Puta que pariu!

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A mão esquerda do escritor


Essa é a fera casada # e essa a fada da asa @. 


Assaz, a fera casada fere a casa da fada da asa. 

A fada da asa cede a defesa e refaz a casa de seda. 

A fera casada descasca a casa da fada e da seda faz redes assadas. 

A fada da asa fere a fera casada e refaz a casa; refaz da cera assada da seda da casa.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Mais variedades notáveis


Aquela padaria 'fina'

Depois do balcão de sushi, virando a direita na prateleira de louças importadas, caminhando quarenta passos na direção do buffet de sopas, contornando a livraria, seguindo reto pela prateleira de cosméticos, desviando da fonte de chocolate, entrando na segunda a esquerda da seção de brinquedos, ali no final, após quarenta minutos, localizei o pão francês. Não estava quente.

Não se sabe ao certo do que se trata:

"Cadê aquele pedaço de asno?" (Açougueiro, sertão do Cariri, pai de 3)



|Estacionando charretes|

Na carteira, uma tuta-e-meia. Exatamente o que lhe pedia o flanelinha.
"É uma tuta-e-meia".
"Só na volta."
"Há de ser agora."
"Por quê?"
"Percalço"
Astro Miau anotou! (*l *)

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

O sorvete pirata

O Sorvete Pirata

"Slurp... Slurp... SSSSSSSssssssss..."

— DAVI!

"Slurp... Huuum!!"

— DAVI! Moleque! Escuta aqui!

— QUIÉÉÉ, MÃE?

— Não respinga essa porcaria de sorvete no meu carpete, hein! Já te falei isso mil vezes, Davi.

— Ah, mãe... não vai cair nada, fica tranquila.

— Bem... vejamos. Olha só, toma esse dinheiro e vai até a bombonière do Seu Oscar. Me traz trezentos gramas daquelas gotinhas de chocolate com menta, tá?

— Ah, mãe... Vou até lá só pra isso?

— Vai sim senhor, como um favor pra sua mãe. Calça o tênis e dá um pulo lá, porque é pertinho e faz tempo que eu tô com vontade daqueles chocolatinhos. E olha, se for direitinho, deixo você escolher um doce pra você.

— Tá bom...

— E traz também um pacotinho de granulado. Você vai fazer doze aninhos na sexta-feira e eu já quero começar a separar a receita do bolo. Vai lembrar, Davi?

"Uhum... Slurp..."

— Ai, menino, termina logo esse picolé e vai!

Sem muita pressa, Davi partiu. Cruzou lentamente as quatro casas que o separavam da bombonière do Seu Oscar, arrastando os tênis pela calçada irregular, levando folhas secas e uma boa quantidade de sujeira junto. Mascarava o palitinho de madeira do sorvete, ainda com resquícios do sabor artificial de morango. Sua boca inchada e avermelhada já pedia outro tijolinho gelado.

"Somos piratas e rumamos ao mar. Somos piratas e ninguém vai nos pegar. Lálálá!"

Deu um pulo no ar e voltou a caminhar.

"Somos piratas e rumamos ao mar. Somos piratas e ninguém vai nos pegar. Lálálá!"

Outro pulo.

"Somos piratas e rumamos ao mar. Somos piratas e ninguém vai nos pegar. Lálálá!"

E mais um.

Já quase dobrando a esquina para alcançar a soleira da bombonière, Davi congelou. Seus olhos se arregalaram diante do chamado irresistível:

"SORVETE, SORVETE, SOR - VE - TE! Olha o SOOORVETE! SORVETE, SORVETE, SORVETE!"

Seu queixo tremeu. A língua, rápida, umedeceu os lábios, e os olhos lançaram farpas imaginárias na direção do carrinho do sorveteiro.

"Somos piratas e rumamos ao mar. Somos piratas e um sorvete vou pegar. Lálálá!"

Com as mãozinhas grudadas na borda do carrinho, Davi, na ponta dos pés, mirou atento o poço de magia gelada e colorida daquele velho de avental branco.

— Vai querer um geladinho, garoto?

— Vô, vô, vô!

— Que sabor você gosta?

— Morango!

— Meu favorito também. E quer saber? Tenho um de morango muito especial só pra você.

O velho revirou a pilha de picolés, abriu uma caixinha cheia de gelo incrustado e agarrou um pacotinho vermelho, no formato de uma maçã do amor.

— Toma, filho. Morango especial! Esse sorvete é de uma receita muito antiga da minha família.

— Quanto é, tio? — perguntou Davi, agarrando com as duas mãos aquela pedra de gelo hipnótica.

— Sete reais.

Sem pestanejar, Davi entregou sua única nota de dez.

— Aqui está, pequerrucho. Seu troco.

— Obrigado, tio!

— Espere... escute... Se acaso gostar muito do sorvete, pode guardá-lo para todo o sempre contigo.

— Quê, tio?

— Meu nome é Merlin e esse picolé... é encantado! Só privilegiados recebem essa dádiva das guloseimas.

— Ahhhhh! Merlin, o pirata! — exclamou Davi, com os olhinhos brilhando.

— Não, filho... não. Hã... Sou um mago. O poderoso Merlin! Rei supremo dos feiticeiros! Ha! Ha! Ha!

"Blah!" expirou Davi, estreitando os olhos para o sorvete redondo e vermelho.

— Oras... saiba que ser mago nesses dias é muito difícil e... e... garoto? Garoto?

Mas Davi já havia desaparecido dentro da bombonière enquanto o velho ainda discursava. Merlin retomou a caminhada, injuriado pela falta de reconhecimento.

Na pequena loja, Davi se viu imediatamente perdido no meio da grandeza do lugar. Montanhas de guloseimas para quem era tão baixinho e jovem.

— Oh, olá pequeno Davi. Que vai querer hoje?

"Slurp, Slurp, Slurp, Slurp."

— Mas que sorvete, hein? — disse Seu Oscar, sorrindo.

"Hum... Slurp, Slurp."

— Então, diga pequeno, o que a sua mãe, dona Vera, pediu pra você vir pegar?

Davi interrompeu as lambidas no sorvete — que, até aquele momento, era a coisa mais maravilhosa, sensacional e maravilhosa outra vez que já havia provado. Estava certo de que aquele, sim, era um sorvete digno de um pirata, dos mais corajosos. E também notava que era de um vermelho intenso, gelado demais.

"Mina bãe qué quisssss eu leve tessssentassss glamasssssss di... sssssssssss..."

A língua congelada não colaborava. Davi estava em apuros linguísticos.

— Como é, Davi?

— Eu SSSSSSSSSssssssssssssssssSSSSSSSSSS...

"Ugh! Minha língua tá igual ao sorvete. E tem gosto de morango. O que um pirata faria?" — pensou Davi, encarando fixamente Seu Oscar.

Nesse instante, a bola vermelha em sua mão começou a cintilar e a tremer. Davi apontou a guloseima na direção do balconista.

"DAVI GOSTARIA DE TREZENTOS GRAMAS DE GOTAS DE CHOCOLATE MENTOLADOS E UM PACOTE PEQUENO DE GRANULADO PARA A CONFECÇÃO DE SEU BOLO DE ANIVERSÁRIO."

Com os olhos arregalados de espanto, Davi abaixou o sorvete.

Seu Oscar começou a rir, ficando vermelho como um pimentão.

— Uh-huh! Ah! Ah! Ah! Pequeno... muito imaginativo, hein?

Ele embalou o pedido enquanto Davi continuava paralisado, olhando para o próprio sorvete, que sequer tinha derretido um pingo.

— Aqui está, pequeno. Vai pagar ou pendurar? São sete reais.

O sorvete voltou a cintilar e impulsionou a mão de Davi em direção a Seu Oscar.

"IREMOS PENDURAR, DE FORMA QUE A MÃE O PAGUE NO TEMPO CORRETO."

— Hã? Ah! Ah! Ah! Sem problemas, Davi. Boa tarde.

E o garoto partiu de volta para casa.

"Como é fantástico ter este sorvete," pensou. "Claro que este é um objeto cobiçado por todos os piratas dos quatro cantos do mundo. Ele congela minha língua e fala por mim!"

Maravilhado, chegou em casa.

— Ô MÃE! CHEGUEI!

— Ai, que demora, Davi! Já ia te buscar. Trouxe o que eu pedi?

"Uhum."

— Ué... que sorvete esquisito é esse na sua mão?

"SOU UM SORVETE DE PODERES MÁGICOS. SOU ETERNO E SABOROSO. AGORA PERTENÇO À TUA PROLE E DELA CUIDAREI."

Foi a bola de sorvete cintilante que falou, apontando-se para a cara da mãe de Davi.

— Escuta aqui, ô coisa estranha. Você diz que vai cuidar do meu filho, é isso?

"SIM. AGORA E SEMPRE. EM TODOS OS ASPECTOS. TU JÁ NÃO ÉS NECESSÁRIA."

— Ah é? Então, senhor Coisa-Estranha, pode me dizer por que não amarrou o cadarço do MEU filho, que voltou com os dois pés desamarrados? Você tem noção do perigo? Se ele cai e quebra o pé, hein? E se tropeça e mete a boca no chão? Que tipo de zelador é você? Isso lá é jeito de cuidar? Você não vai ficar com meu filho de maneira nenhuma, ainda mais com esse desleixo!

"MAS... MAS... EU... ER... AHN... BOM, E-EU NÃ... NÃO PERCEBI... ME... ME DESCULPE... E-EU..."

O sorvete foi ficando cada vez mais cintilante e passou do vermelho extremo para um roxo trêmulo na mão de Davi, que assistia tudo de olhos arregalados.

— DAVI JÚNIOR! TRATE DE JOGAR ESSA COISA FORA JÁ! EU SEI LÁ DE ONDE VOCÊ TIROU ISSO!

— Ah, mãe! É do pirata Merlin...

— NÃO ME INTERESSA, Davi. Joga fora e pronto!

O sorvete tremia mais e mais, balbuciando desculpas. Davi, assustado, correu na direção do quintal com a intenção de se livrar da coisa. Desengonçado, pisou com o pé direito no cadarço do pé esquerdo, caiu de cara no chão e arremessou o sorvete em forma de maçã cintilante, que se espatifou em mil pedacinhos.

Davi se levantou ileso, com a cara de choro. A mãe o pôs de castigo, varreu a sujeira e, mais tarde, comeu todos os chocolates com menta.

Desde então, Davi segue matutando que teria sido melhor ter enterrado o sorvete. Porque — isso sim — é o que um pirata faria.

E cantarolou baixinho:

"Somos piratas e rumamos ao mar. Somos piratas e ninguém vai nos pegar. Lálálá!"

terça-feira, 20 de agosto de 2013

DERIVA





Estilo perpétuo\\
Confusão Mental\\
Inimaginável afeto\\
Seu guia te perde

E tua falta se exalta\\
No terror da ilusão\\
Quando feito a esmo\\
Óleo que dilui o asbesto

Para não deixar de ser\\
Na mesma forma\\
Incomum a tantos votos\\
A volta não importa

O não saber sem sabor\\
De um orgulho inepto\\
Por um fio se quebra\\
Um construir sem afeto

No limiar total\\
O prisma colorido\\
Paralelo ao caos\\
Junto a dor

Um acidente profano\\
Um flerte soberbo\\
Pois tão somente\\
Abandono

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Dicas que funcionam para coisas que ninguém quer fazer:


Para atrair mosca varejeira, pendure na cozinha uma sacola com sangue de boi.

Para ganhar uma visão psicodélica, basta olhar diretamente para o sol por 1 minuto.

Desenrole um novelo de lã enrolando-o novamente e ele voltara a ser um novelo enrolado.

Tome um sustinho mordendo vários bombons enrolados em alumínio até algum dar um choque na boca.

Para ganhar um vergão maneiro basta brincar com um elástico em um momento de ócio.


Buscou a visão, Astro Miau

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Brasil Pós Nuclear 2040 -



"APRESENTO A VOCÊS O PÃO SOVADO"

Pão Sovado entrou no palco com um andar garboso em seus mais de dois metros de altura, feições fofas no rosto, tostado na frente e cheiroso.

"Vovô, você está chorando?"

"Eu adorava pão sovado, meu neto. Tão gostoso."

Pão Sovado acenou para a plateia que aplaudia com força e então deitou-se no carpete.

"Agora venham"

Os mais velhos avançaram sobre o homem Pão Sovado e o devoraram até restar apenas migalhas.

Atrás das cortinas, o assistente de palco segurava um pires com um tablete de manteiga. Visivelmente aturdido.

"Esqueci de passar a maquilagem!"

terça-feira, 16 de julho de 2013

Noir-Vegans nas páginas policiais, um crime brutal é narrado:



Acelga lavada e picada grosseiramente. O broto do Feijão, todo cortado. Um tal de Gengibre ralado, inconsciente num canto. Melado de cana a gosto com farfalle (gravatinha) de sêmola. Um tipo estranho. Uma festa de luxo? Naquele local pérfido?
Tomate cortado em 6 pedaços e ainda com furos exalando um aroma acre de tomilho. Eu só pensava no estalo do trigo para quibe. Aquilo revirando na minha cabeça "Trigo para quibe, Trigo para quibe..."
"Puta que pariu!"
Virei o rosto, os olhos ardendo. Era forte a visão... Uma abóbora comum, pequena, virando purê na cama. Puro purê! Um monstro ou seriam monstros? Atrocidades das quais eu via com constância. Gostaria de não ver. Não nesta noite.
Grão-de-bico no distintivo, esfreguei o dedo pra tirar uma gota de linhaça. Ervilhas tortas, sinuosas, num caminho que eu trilhava cada dia mais fundo. Meu maço pequeno de brócolis na manga. Não tinha nada a perder. Blefei para o fotógrafo.
"Pode bater a chapa, amigo".
Parecia uma cebola roxa depois de um tempo boiando naquele azeite. Surtei, desesperado, gritando por papaia. "Papaia, papaia, papaia!".  Colegas jogaram água no meu rosto.
"Acorda, Madureira. Sai dessa coisa ruim"
Concluí um arroz selvagem na noite, constatando a fuga perfeita. Não deixaram rastros. Mas o tempo é amigo do investigador.  Não tem ninguém aqui. Apenas raiz de capim-santo no terreiro.
"Assim não dá, doutor. Encerra esse caso".

O delegado estava presente. Coisa rara.

"Você sabe quem são?"

"Desgraçados infelizes, provavelmente."

Ele apontou na minha cara. Deu uma risada debochada. Se não aprontar o relatório nessa madrugada, eu tofu!

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Os trotes de Nostradamus



"trim trim"

- Escola infantil Bezerrinho, bom dia!

- “O menino nascerá com dois dentes na garganta”

- Nós não temos maternal, senhor!

- “Corcunda, será eleito pelo conselho o mais hediondo monstro visto na terra”

- Senhor, nossas matriculas estão encerradas.

- “Tarefa de assassino, enormes adultérios, grande inimigo de todo o gênero humano, ao qual fará pior que avós, tios, pais, em ferro, fogo, água, sanguinolento e desumano”

- Nossa grade educativa inclui princípios cristãos!

- “... O mundo, quando se aproximar a conflagração universal, sofrerá tantos dilúvios e tantas inundações que não sobrarão terrenos que a água não tenha coberto."

- Não temos natação, senhor!

***

"trim trim"

- Açougue Boanerges, bom dia!

- "E o Santo Sepulcro ficará durante um longo espaço de tempo abandonado, contemplado apenas pelos céus, sol e a lua."

- Sim, temos carne de sol, também toda linha para feijoada.

- "E na Cidade Santa não habitará mais que um pequeno povo, pelo número, mas grande pela sua cultura profana. [...]"

- Pra calcular quanta carne deve comprar, preciso do numero certo de convidados, senhor.

***

"trim trim"

- Alô.

- "Um Oriental sairá de sua sede
e pelos montes Apeninos verá a Gália:
atravessando céu, águas e neve,
e a todos golpeará."

- [risos] É um filho da puta esse japa.

- ..."mas ainda no mar Adriático
de cavalos e asnos roerás os ossos."

- Eu sei que é você, Pereira, larga de caô!

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Pessoas que não sabem dar uma piscadinha:



Pisca e abre a boca mostrando os dentes
Pisca com os dois olhos, mas acha que piscou com apenas um.
Pisca mas parece que vai vomitar
Pisca fazendo barulhos estranhos na garganta
Pisca e ergue um dos pés
Pisca e tem uma convulsão
Pisca e esquece de abrir o olho.
Pisca um olho de cada vez automaticamente



Arts Insolites HOJE e não AMANHÃ

segunda-feira, 8 de julho de 2013

A sorte é para todos

A probabilidade de acerto é de 1 em 50 milhões. Seis dezenas a sua escolha. E o maior prêmio acumulado da história, 98 milhões de reais. As filas estão gigantescas. Até os mais incrédulos disputam os bilhetes. Cobertura massiva da mídia. Destaque em jornais internacionais. Até mesmo turistas arriscam suas chances. Ocultistas usam todas as cartas para burlar as estatísticas, desde tarô até clarividência. Vale contar a idade dos netos, a placa do carro, o tamanho das roupas, o numero do telefone, a chapa dos políticos. Qualquer matemática é a mais racional na cabeça dos apostadores.

Entrevista com Juliana Cândida, caixa da lotérica Maçã de Ouro:

“ Nossa! Está uma loucura. Durante todo o expediente fica uma fila enooorme. Estamos fazendo apenas meia hora de almoço e voltando imediatamente para o caixa. Ai, realmente estou estressada. (risos). Já nem olho para cara dos clientes, só números, números e mais números!”.

Sorteio transmitido ao vivo:

“ Atenção, a primeira dezena sorteada é... Numero 12.”

Gritos de alegria unem as famílias.

“A segunda dezena da noite, senhoras e senhores, é... Numero 13”

“A terceira bola... 14”

“Quarta dezena... Numero 15”

“Quinta dezena... Puxa vida... É a bola de numero... 16”

“Sexta e ultima dezena... Atenção... Numero... 33”

Um silêncio aterrador abate todas as casas. Não há nenhum grito vitorioso? A probabilidade é de 1 em 50 milhões. Quem será o sortudo?

O clarão desponta no céu escuro. A nave de luzes coloridas pousa silenciosa. O extraterrestre, com grandes e brilhantes olhos, pele verde e sebosa, passa por todos os presentes na sabatina do sorteio. Em suas mãos de dedos longos, finos e pegajosos, treme um bilhete da loteca.

“Xiplix Mat, Huna! Uhuuuuuuuuuuuuuuuuuuu”

“Xiplix Matt, Huna! Huna! Huna! “


A grana é conquistada pelo ser que nem ao menos constava nas probabilidades. Papéis são rasgados pela população indignada. E o vencedor parte feliz para a farra em qualquer bordel sujo dos anéis de saturno.

Sacanagem!

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Jurandir, O Malandro do Km 13.

Um conto de Paulo Henrique Facchini

Época do samba de gafieira, o jogo do bicho faz de seus dirigentes verdadeiros mafiosos, os malandros povoam os guetos, mas nenhum é tão admirado e esperto quanto o bronzeado e forte Jurandir. Morador de um cortiço humilde no bairro Km 13, Jurandir conseguia tocar sua vida a base de suas malandragens e como ele mesmo dizia: “Não confunda malandro com maloqueiro, afinal eu engano, mas não roubo!”.

Camisa chamativa aberta até a altura do peito,  exibindo as correntes de ouro maciço, calça boca de choro, sapato e na cabeça seu famoso chapéu panamá. Pra cima e pra baixo, com o gingado malandro.
Levava a vida através da malandragem. Pagava o aluguel com o dinheiro que ganhava na sinuca. Não trabalhava, era patrocinado por uma madame da alta. Para ser patrocinado ele precisava apenas ir três vezes na semana a mansão no horário do expediente do marido dela, dono de uma joalheria. As correntes de Jurandir eram todas presentes de lá.

No cortiço, respeitava a mulher de todos. Ali, também existia uma tal de Dona Dirce, uma quarentona desquitada, redonda e com fortes sinais de desgaste com o passar dos anos. Era a vizinha dele, mulata feia, que pouco se banhava e perdidamente apaixonada pelo malandro.

Jurandir, de vez em quando fazia um carinho nela, porque em troca tinha roupa lavada, passada e cheirosa. Lavava até as cuecas . O caso era totalmente secreto, ele fazia questão do sigilo. Afinal o malandro fazia aquilo por preguiça de cuidar da própria roupa.

Com seus rendimentos estava longe de possuir um automóvel. Só sabia dirigir porque trabalhou muito tempo como manobrista. Perdeu o emprego depois de flertar com a esposa de um cliente, mas não foi ruim para ele não, pelo contrário.

Ele foi embora levando o uniforme de manobrista e quando queria impressionar vestia aquela roupa e ia até o antigo emprego. Todo sábado ia ao restaurante um senhor chamado Oscar, dono de um carro esportivo, caro e lindo. Esse mesmo senhor só saia de lá no encerramento do movimento.

Ou seja, Jurandir pegava o carro como manobrista, trocava de roupa, dava suas voltas, no final da noite entregava o carro pontualmente de tanque cheio (dizia que era cortesia da casa) e ia embora sem ser percebido já que o restaurante era o mais movimentado da cidade.

Era o seu truque para alimentar o sonho de ser rico e também conseguir namorar as meninas ricas. Era bonito, cabelos e olhos castanhos, sobre a boca um bigode fino o qual passava o dedo sempre que dava alguma investida. Seu jeito fácil de falar e sedutor o classificava como um “bom de papo”.

Certo dia foi na quadra do Esportivo, clube onde sempre tinha bailes embalados aos sucessos de Demônios da Garoa. Estava com seus companheiros bebendo cerveja e dando risada. A paquera dava esperança e resultados para todos presentes.

Com o passar das horas o salão foi ficando vazio e alguns rapazes arranjaram confusão. Briga generalizada, todos foram para a delegacia, exceto Jurandir. Ao ver a policia chegar pulou o balcão do bar, pegou um avental, tirou o chapéu e olhou as prisões serem efetuadas. Voltou pra casa antes de ser reconhecido como arruaceiro.

Dentre os vizinhos de Jurandir estava o seu Raul. Seu Raul tinha trinta e seis anos, nunca sorriu nem cumprimentou alguém. Muito alto, forte e um tanto desengonçado. Saia de manhã cedo. Voltava no fim da tarde e não saia mais. Alguns diziam que tinha mulher, outros que não, a questão é que Jurandir nunca tinha visto mulher alguma.

O malandro conheceu uma menina um tempo depois. Seu nome era Maria. Ela era tudo que o malandro gostava, mas ele não era o homem que ela sonhava em casar e muito menos o que o pai dela aceitaria como genro.

O pai dela foi o primeiro que não caiu no golpe do carro do senhor Oscar, nem no ouro das correntes. Era um homem muito esperto, foi policia até ser acertado e agora era dono do Botequim do Agenor. Vivia no meio da malandragem e sabia que Jurandir tinha o perfil exato dos malandros boêmios. Assim Agenor decidiu que Jurandir só poderia visitar Maria se fizesse algo que enaltecesse sua pessoa.

Jurandir ou Jura como era chamado pelas mulheres voltou à ativa, atacava todas sem distinção e elas iam a loucura. Ele e Altair, seu melhor amigo, faziam-se de bons cristãos só para na missa de domingo conseguir ficar mais próximos das moças e marcar encontros que em sua maioria eram frustrados pelos irmãos e irmãs mais novos, enviados pelos pais para evitar que as filhas fossem seduzidas e defloradas.

Jurandir conseguiu na missa de São João uma proeza inigualável. Marcou de sair com Ana Selma, foram ao cinema e o rapaz conseguiu deflorar a garota mais bonita e desejada de todo Km 13. Ela apaixonou-se, mas não passava de mais uma fã porque ele só pensava em Maria.

Começou a se sentir desmotivado para as outras mulheres. Mantinha sim a mesma vida de malandro e boêmio, dando carinho a madame e a Dirce fedida, mas como lazer não queria mais mulheres. Na sinuca não era mais absoluto, começou a perder e o dinheiro do aluguel ficou apertado.

Cada vez mais deprimido deixou de sair de casa quando seus amigos iam atrás de mulheres. Altair veio um dia até sua casa e tentou colocar em sua cabeça que ou Jura deixava de viver como malandro e passava a trabalhar ou esquecia de uma vez Maria porque o pai dela nunca aceitaria um malandro.

Ao ouvir falar em ter que trabalhar, Jurandir suou, ficou com medo e desistiu de Maria. Vestiu sua melhor troca de roupa, Altair sentia-se feliz em ver o amigo motivado daquele jeito. Saíram, se divertiram e quando voltaram o rapaz ficou em casa embriagado.

Deitado, acordou. Ainda mantinha os olhos fechados. A cabeça doía por conta da ressaca. Ficou pensando sobre coisas cotidianas até perceber seu raciocínio ser interrompido por um choro muito baixo. Abriu os olhos como se ajudasse na percepção. O choro continuou, irritado fechou os olhos de novo até dormir, mas não antes de planejar algo.

No outro dia, olhava pela janela. Estava de pijama e viu seu Raul saindo para ir trabalhar. Calçou os chinelos e correu até a casa do vizinho. A porta estava trancada. Pensou um pouco. Foi até a quitanda próxima do cortiço. Roubou uma folha de jornal que era usada para embrulhar as frutas. Voltou, colocou a folha por baixo da porta do vizinho e com o mindinho empurrou a chave até ela cair do outro lado. Puxou a folha e pegou a chave.

Abriu a porta, passou e encostou a mesma. Vasculhou um pouco a casa, impecavelmente limpa. Olhou na cozinha, banheiro até ir ao quarto. No quarto viu uma mulher muito bonita e totalmente desconhecida.
A mulher se escondia, era a esposa de Raul e pedia para que Jurandir fosse embora. Evitava até o contato visual, apresentava muito medo. Conforme o rapaz mostrava uma postura de valente a mulher começou a conversar mais e esclarecer algumas dúvidas.

Contou que fazia mais de anos que não via o Sol, o ciúme que o marido nutria era tamanho que se o chão da casa não estivesse brilhando era porque ela perdeu tempo traindo e por isso como castigo apanhava. Tentou escapar algumas vezes, mas sempre foi encontrada, por isso desistiu de fugir. Conversaram até o fim da tarde.

Jurandir ia levantar quando a porta foi aberta de uma vez seguindo um golpe forte contra a fronte do rapaz que caiu desmaiado. Raul trancou a porta, duas voltas na fechadura. Tirou o chapéu, o paletó e a camisa. Expôs os punhos serrados, a calça segura pelo suspensório e botinha, de operário.

A dor era imensa, sentia como se tivesse bebido todas e agora a ressaca chegasse. Abriu os olhos, não estavam bons. Sua visão estava turva e sem nitidez. Já a escuta estava perfeita e demonstrava que o agressor ainda estava lá. A mulher chorava baixinho. Voltou a enxergar normalmente.

O gigante Raul estava com um cutelo na mão, sentado numa poltrona. Sua mulher pedia para que não acabasse com Jurandir, mas isso só irritava mais o marido. Levantou. O malandro, que nunca teve a coragem como virtude, deu um grito de socorro tão alto que deixou o dono da casa sem reação por alguns instantes.

O gigante retomou o raciocínio anterior, apertou o cabo do cutelo, deu dois passos e levantou o braço que empunhava a arma. Jurandir rezava e jurava que nunca mais ia ser daquele jeito. Nessa hora arrombou a porta e entrou cabo Antônio, vizinho de cortiço, com arma em punho e pedindo que Raul abaixasse o cutelo. O homem atendeu e logo depois foi preso.

Jurandir deu um suspiro longo e, saindo, falou com Deus que nunca mais ia ser daquele jeito. Não ia ser mais intrometido na vida do outros. Foi ai que viu um fotógrafo do jornal da região que passava por ali e queria cobrir o caso. Conversaram um pouco, bateram uma foto e Jura deu uma quantia ao repórter.

No outro dia, no caderno dos acontecimentos diários, a noticia em destaque era de que o corajoso Jurandir Neves, para proteger uma mulher que mal conhecia, lutou desarmado contra marido opressor e ciumento, munido de um cutelo. Tudo isso porque era um cavalheiro e um homem honrado.

Era a prova que Jurandir precisava para mostrar para a sociedade e para o pai de Maria, que tinha caráter e era digno o suficiente.


P.H. Facchini

domingo, 30 de junho de 2013

No departamento de evolução da Mãe Natureza:



"Me diz uma coisa, Angico, qual a próxima evolução humana que temos programada?"

A planta consultou suas raízes e respondeu para a imensa samambaia que estava grudada num antigo Ipê Roxo.

"Bom, aqui temos. As pessoas nascerão sem os dentes do siso. Resultado refletor de uma dieta equilibrada, também símbolo de uma era vegan."

"Ah, pois, cancele isso. Dê o recado para os demais. Acabo de receber um relatório de que os sisos vão continuar"

A samambaia farfalhou suas folhas com grande surpresa.

"Oras, Angico, mas por quê?"

"As pessoas estão comendo carne pra caralho, então não vai rolar de cancelar um dente. Antes eram os grãos duros, agora mastigam até o osso. Vamos aumentar a mandíbula. Força total."

"Mas não tem nada pra tirar dos humanos?"

"Sim, claro, vamos tirar os mindinhos"

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Pode ler!

OS 5 MELHORES PIORES COMEÇOS DE LIVRO

05"Aquele homem era conhecido como Coração de Alcachofra."
(Olá, Túnel do Amor — George Zerne)

Porque nada impõe respeito numa taverna como ser chamado pelo nome de uma hortaliça emocionalmente instável.


04"Dobrei o papel do mesmo modo que Ishii havia me ensinado. Agora, após agoniante frustração, colocarei o origami de sapo na vagina de Késia."
(Requintes Alucinantes — Vilma Bottu)

Origami, erotismo e zero noção de limites. Um verdadeiro workshop de constrangimento.


03"Ladeira acima, subia o Rei Repolho desenrolando o preguiçoso Rocambole."
(A Verdadeira História de um Padre — William Morju)

Quando a monarquia vegetal encontra a confeitaria sedentária, você sabe que o livro vai feder a couve.


02"Perguntei à garçonete sobre o motivo pelo qual os carros de polícia estavam cercando a lanchonete. Ela me olhou apavorada e, neste momento, um dos ladrões me acertou com a coronha do revólver."
(Vim Pelo Seu Convite — Ênio Copak)

Se sua noite de sexta-feira não envolve pãezinhos, tiroteio e um leve traumatismo craniano, você tá vivendo errado.


01"Dancei uma lambada maluca ontem à noite. E é desse ponto que começo minha narrativa sobre todas as formigas que pisoteamos."
(Camuflados — Zed Rufios)

Porque nada conecta mais com o leitor do que uma coreografia suada e inseticídio filosófico.

Sazon


Irinelson foi em um hipermercado que afirmava ter tudo. Mas sua lista terminou incompleta.

A̶r̶r̶o̶z̶
F̶e̶i̶j̶ã̶o̶
Ó̶l̶e̶o̶
S̶a̶l̶
Amor
a̶ç̶u̶c̶a̶r̶
C̶a̶f̶é̶
c̶a̶r̶n̶e̶ ̶m̶o̶i̶d̶a̶
f̶a̶r̶i̶n̶h̶a̶
Bisnaguinha Seven Boys
f̶e̶r̶m̶e̶n̶t̶o̶
P̶a̶p̶e̶l̶ ̶H̶i̶g̶i̶e̶n̶i̶c̶o̶
S̶a̶b̶ã̶o̶ ̶e̶m̶ ̶p̶ó̶
D̶e̶t̶e̶r̶g̶e̶n̶t̶e̶

Que azar, Irinelson!

terça-feira, 25 de junho de 2013

1001 motivos para gostar de axé

1001 motivos para gostar de axé (Carlinho do Tetê - Editora Cimbalo)

0001- Todo mundo quer ver suas mãozinhas lá no alto!
...

0999 - É bem legal

1000 - Ae, ae, ae, ae Ei, ei, ei, ei Oô, oô, oô, oô, oô, oô

1001 - Todo mundo vai ficar de perna bamba, Eu nunca mais vou namorar em cochabamba

segunda-feira, 24 de junho de 2013

|O último a saber|



Das trinta pessoas em fila na gincana do colégio, eu era a trigésima e responsável por cantar alto a mensagem no microfone. As palavras do telefone sem fio chegaram assim ao meu ouvido:

"Esse é o zagueiro que chutou sua mãe nas montanhas do Peru."

Essa era a mensagem ridícula que definitivamente havia chegado distorcida. Os colegas atrás de mim estavam todos segurando o riso. Qual era a frase original que a professora havia dito ao primeiro? Agucei a mente, fui até a frente de todos e arrisquei uma nova formulação.

"Esse é o zagueiro que chupou a professora e enfiou o peru."

"ACERTOU!" - Anunciou a professora.  Safadona.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Viajando no tempo com:

EDIÇÃO ESPECIAL: “OBJETOS QUE VIAJAM NO TEMPO (E VOCÊ TEM EM CASA!)”

Por nossa equipe de colunistas, ocultistas, camelôs e videntes de beira de estrada.


🚬 Isqueiro Transparente de Trem

💥 Após centenas de testes levemente irresponsáveis, Pedrosa Maromba descobriu que os isqueiros vendidos em vagões conseguem antecipar o futuro em exatos 4,5 segundos. Só perdeu a pontinha do dedo. "Ganhei tempo", declarou. Foto antes e depois disponível via e-mail:
pedrosa_maromba@bol.com.br


🍶 Manteiga de Garrafa

Produção nacional, ótimo rendimento para combustão de espaço-tempo. Esqueça o pão: use pra hackear a realidade junto de eletrônicos de segunda mão.


🖊️ Caneta Bic 4 Cores

Relíquia ignorada pela Geração Z. Com sua rosca em Z e cheiro vagamente radioativo, essa caneta carrega o segredo dimensional. Teóricos já surtaram tentando desvendar a fórmula da tinta azul.


🥓 Apresuntado

O embutido de quinta categoria esconde um sabor químico que altera a percepção cronológica. Mafra M. ingeriu três fatias e afirma ter visto a própria avó mais jovem… e mais revoltada.


🐟 Lambaris

Condutores naturais de fluxo cronológico. Francisco Fradinho testemunhou o sumiço do primo num cardume e aguarda notícias. “Só lamentei não apresentar as piranhas.”


🥄 Maionese

Fora da geladeira por dois dias vira capacitor temporal. Possibilita realidades alternativas onde você talvez já tenha pago o IPVA.


🛋️ Terapia

Sessões cíclicas entre terapeutas criam paradoxos locais. Restrito a consultórios com divãs sintéticos e revistas de 1998.


📺 Talk Show: “NA NOSSA MENTE”

Vinheta:
“ZuuuuuuuuUUUUUUUUMMMMM NA NOSSA MENTE!”

Contra-regra engatinha, plateia aplaude por obrigação. Jorge Gino Garcia, bronzeado nível forno de pizzaria, recebe Doutor Claus Silveirinha.

JORGE GINO:
— Quer dizer que essas maluquices chegam por e-mail e Twitter?

DR. CLAUS:
— Isso. Muita bobagem, mas algumas… perigosas.

JORGE:
— Vamos testar?

Claus tira duas raspadinhas. Jorge arregala os olhos.

JORGE:
— Loteca? Tá de sacanagem?

DR. CLAUS:
— Com moeda de um centavo, ativa campos magnéticos do cérebro. Expectativa + metal vagabundo = viagem no tempo.

Eles raspam. Jorge ganha 50 mil, Claus ganha um carro zero.

JORGE (pra câmera):
— Viajar no tempo? Não sei. Mas azarados a gente não é!

Plateia enlouquece, governadores invadem, faixa cai:

“BEM-VINDOS AO ANO DE 2.031. VIAJANTES DO TEMPO. HERÓIS.”

Vinheta de novo. Jorge e Claus estão boquiabertos. Fade out.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Mudando a paisagem

Mudando a Paisagem

Desanimado, passo pela praça Charles Bauder à procura de um almoço razoável e um canto que, ao menos, atenda às exigências básicas do meu dia-a-dia. É primavera — ou dizem que é —, e tudo parece excessivamente vivo, como se as coisas tivessem feito um pacto para zombar de mim.

Pequenos círculos de grama se espalham como manchas verdes num tapete mal cuidado. Árvores de tronco largo exibem suas cascas enrugadas, enquanto lírios do vento sacodem suas pontas finas num deboche silencioso. Legiões de formigas marcham em fila, carregando lascas de pão maiores que elas próprias, como se desfilassem em uma parada militar. A cada canto, aves ensaiam trinados histéricos, como se celebrassem uma festa para a qual eu não fui convidado.

No meio dessa natureza maranhada entre prédios modernos, arrojados e imponentes, percebo que jamais poderei alcançá-los, nem mesmo se me fosse devolvido o vigor da juventude. E é aí que me invade uma nostalgia esquisita. Recordo-me de praças antigas, maiores, onde eu era levado sem entender o motivo. Às vezes sozinho, às vezes em bando, sempre cheirando a orvalho de manhã. Hoje, a paisagem parece me fitar com olhos zombeteiros.

Velhacos jogam xadrez mascando sanduíches indefinidos que insistem em me oferecer. Uma confraternização insólita, como se eu fosse uma espécie de mascote perdido. Tudo quase perfeito, se não fossem os ternos alinhados e os vestidos ornamentados que cruzam a praça apressados, figuras cinzentas borrando a cena como manchas de carvão numa aquarela.

Homens e mulheres me lançam olhares duros — invejosos? Raivosos? — e sinto o incômodo latejando. Encosto-me, então, numa árvore ao lado da passarela e recuo, temendo esses cinzentos. Gente que murmura pragas contra mim! Meu espanto é tanto, pois nada fiz que não fosse normal. Aliás, ninguém além desses vultos corridos parece notar minha presença. Sou apenas mais um. Finjo indiferença enquanto mordo mais um pedaço do meu lanche de ameixas — presente dos velhos teimosos —, que me agulha em cólicas leves. Meu intestino nunca foi confiável.

De repente, ouço:

MQue horror! Nojo, nojo, ai ai...

E em seguida, um outro, mais ríspido:

HCagão maldito! Meu terno novo! Essa laia… emporcalhando a passagem!

MAi, que nojo, que nojo…

HComo vou pro serviço deste jeito?

ME eu? E eu?!

Como ousam? Que gentinha desajustada! Não ficarei parado ouvindo tamanha calúnia. Ainda mais agora que meu estômago protesta, péssimo, traidor. Acho prudente atravessar a praça rápido, antes que algo embaraçoso aconteça.

Ui.

O pipoqueiro também me lança impropérios. Ora, apenas disfarcei um peidinho, dois peidinhos. Minha expressão foi das melhores. Mas as crianças… as crianças! Elas correm em debandada para suas mães, gritando como se tivessem visto o próprio capeta. Onde está a brisa perfumada? Onde se escondeu a harmonia? O que fizeram com o chão? Tudo degenera numa tragédia fétida. A praça cheira mal, e as pessoas começam a escorregar em… algo.

Ui.

Eu já queria sair, mas agora preciso. E rápido. Vou-me embora, quase voando.

Ui.

Atrás de mim, um coro crescente, desesperado, se forma. Homens, mulheres, velhos, crianças. Todos, à uma só voz, gritam:

– Maldito! Pombo maldito!

– Pombo sujo! Seu… seu… seu… p o o o o m m m b o o o o o o…

E eu, cada vez mais longe. Cada vez mais leve. Cada vez mais pássaro.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Preste atenção nos fios do macarrão

Preste Atenção nos Fios do Macarrão

Olavo Mariano amaldiçoou Ferreira de Tarso com tamanha fúria que pequenas gotas de saliva dançaram no ar e salpicaram a mesa da taberna Aleblebê.

— E que morra entalado nesse grude insosso que tem a ousadia de me servir todo santo dia! Paspalho!

Possesso, empurrou a mesa de madeira, fazendo ranger as pernas mal firmadas, e ergueu seu corpanzil, apontando para a jovem servidora de aperitivos da floresta de Grumixama.

— E você, lagartixa risonha? Tá achando graça, é? Sirva-me logo um Vespusiano Lara, copo de boca larga. E capriche na dose — meia medida dessa gororoba eu não engulo mais. Já me basta esse tempero de cruz-credo feito por Tarso.

Um burburinho se espalhou como fumaça pelo salão. Ferreira de Tarso, do outro lado da cozinha apinhada de pratos, carnes e bagunça, ouviu o eco da voz rouca de Olavo e largou a meia pata de cabrito na pedra de corte. Adentrou o salão mal iluminado, limpando as mãos no avental já encardido.

— Muito bem… que desgraça a vossa pessoa traz à minha honesta casa de comilança, hã?

Olavo Mariano, general das tropas de Vovorovovo, arreganhou um sorriso de grandes dentes moedores de novilhos.

— Teu prato do dia, ó gênio dos temperos, fede mais que teu sovaco. A menos que tenha usado essa axila para esfregar as costelas do porco preto antes de botar no forno. Ou, vá saber, peneirado teus molhos com uma rede de pentelhos e carunchos.

Ferreira de Tarso, acostumado a lidar com forasteiros ingratos e mal cheirosos vindos dos confins da floresta, esticou calmamente as mangas de seu uniforme creme-que-já-foi, deixando à mostra o cotovelo ossudo — um gesto discreto e eficaz de ameaça.

— Quem sabe, bravo general, a Estrada Real não lhe sirva melhor aos gostos… e aos narizes.

— De fato, cozinheiro de mão amarela, de fato. Meus homens e eu partiremos para lá. E fique sabendo: tua espelunca só permanece de pé porque estamos com pressa. Mas fica o aviso: o Rei Vovô Vinólio ainda é meu senhor, e meus Touros sempre voltam.

Disse, virou as costas e saiu tilintando a espada contra a malha de aço, seguido por vinte Touros satisfeitos, mas caloteiros, esvaziando a até então movimentada Aleblebê.

Moça Mariana Queteparta, inexperiente servidora da floresta de Grumixama e a caçula de uma longa linhagem de bruxas curandeiras, percebeu num susto que as mesas recém-abandonadas não traziam nem uma mísera moeda de prata. Nem mesmo as raspas de cobre, que ela tanto prezava. Indignada, seu rosto corou, e os pés bateram furiosos contra um barril de Vespusiano Lara, fazendo-o estremecer.

— Que me quebre um Vespusiano Lara de oitenta e oito e eu te mando de volta pra tua avó Senhorinha Mariluce! — ralhou Tarso, arqueando as sobrancelhas. — Não adianta bufar, Mariana. O que era pra ser dia de lucro virou um dia de desaforo. Vou repor o estoque devorado, e os custos… um tantinho pra ti, um tantão pra mim e mais outro pra taberna. Assim é a vida fora da Estrada Real.

Enquanto isso, pela Estrada Real, os Touros e seu general se acabavam de rir.

— E quando o cozinheiro ergueu as mangas? Ah, Mauá, Mauá, Mauá!

— General! — gargalhou outro — Quase chorei de alegria só de saber que não ia deixar nem raspa de cobre de gorjeta.

Um terceiro, rindo a ponto de soluçar:

— Flaviolouco, viu a queridinha que servia a gente? Ajeitadinha ela, hein? Eu dava a raspa de cobre… e mais um agrado!

— Mauá, Mauá, Mauá!

Riram tanto que tiveram de parar e, como bons Touros, esvaziaram as bexigas na beira da estrada. Mas logo as risadas se tornaram caretas.

— General… que cheiro horrendo é esse?

— Mauá… Mauá… espera… pelos deuses, é do meu também!

— Meu jato tá borbulhando nas folhas!

De súbito, um a um foram tombando, contorcidos, sufocados pelo odor agridoce de vinagre e sangue. Olavo Mariano tentou alcançar a rédea de seu cavalo, mas o animal relinchou e se afastou, deixando o general a derreter na própria urina.

Na Aleblebê, Tarso contava pratos e restos.

— Prôpala nos acuda. Que rombo no orçamento. Amanhã tuas tias, Moça Mariana, estarão aqui pro quebra-jejum e não vou ter nem migalha pra oferecer… Sorte que sobrou Vespusiano pro gelo da manhã.

Moça Mariana coçou a lateral da barriga e confessou, a voz trêmula:

— Senhor… peço perdão. Quando o General reclamou, servi-lhe uma taça de Vespusiano… depois os Touros pediram, e eu servi. Aí, possessa, servi mais uma. E antes de você dar as caras lá fora… servi de novo.

Tarso olhou pro teto, balbuciando coisas que nem os deuses queriam ouvir.

— Mas fiz o bem com o mal, senhor Tarso. Na segunda rodada, adicionei Poeira de Vintém. Dancei abraçada ao barril pra misturar tudo. Uma maluquice que a gente, bruxa curandeira, se permite uma vez na vida. Matei-os por dentro. E agora terei de passar a vida curando gente pra equilibrar a conta.

Tarso arregalou os olhos.

— Minha filha… que inferno. Mesmo mortos… eles saberão. E quando souberem, virão atrás. Não estou contente. Que os deuses nos guardem.

Longe dali, o espectro de Olavo capengava entre os Touros pálidos.

— Guerreiros juramentados não caem fácil! Vamos vingar a vilanesca cilada! O veneno veio de onde?

— Da Aleblebê!

— Do cozinheiro!

— Da gostosa!

— A bruxa!

— O cozinheiro e a bruxa!

— Nos serviu dançando!

— Pó de Vintém!

— Pen-te-lhos…

— Vin…

— …gan…

— …ça!

Na taberna, Tarso e Moça Mariana preparavam defesas.

— Mandei um coelho-mensagem pra Vigoroso. Vai chegar mantimento amanhã cedo. Boa notícia, preço salgado, mas boa. Me preocupa é se Olavo voltar…

— Está morto, senhor. Todos mortos. Pó de Vintém não perdoa.

— Mas um espírito traído sempre volta. E quando volta, pega quem estiver por perto. Você, eu, qualquer um. Então vamos selar esta casa!

E selaram. Portas, janelas, fosso, chaminé, até as colheres. A noite desfez-se, o galo cantou, o vento soprou do noroeste. Do lado de fora, a marcha fúnebre de espectros se dissipava, restando só a sombra de Olavo, que antes de sumir apontou um dedo cadavérico para a taberna.

— Parece tudo tão calmo! — disse Mariana.

— Fecha a janela, menina. Numa sopa morna dessas, até alma penada mergulha.

— Relaxe, mestre cuca. Minhas tias chegaram.

— Tranquei a porta direito?

— Com o conjuro da "Minha Mãe Mortinha". Aqui não entra nem o diabo.

Os fantasmas flutuavam, esbarrando uns nos outros.

— General… aquela velha de bengala nos viu.

— Larga essa pedra, seu tolo!

As avós entraram, uma a uma.

— Que saudade, sua linda!

— Que linda!

— Saudades!

Moça Mariana abraçou-as, emocionada.

— Vou buscar pão preto e azeite.

Uma densa bruma se avizinhou da taberna. Dela, surgiam cabeças flutuantes — pálidas, translúcidas, olhos esbugalhados e bocas que nada mais faziam além de praguejar. No alto da névoa pairava o General Olavo Mariano, rosto de pedra rachada, e logo atrás os Touros de Marfim, seus leais soldados espectrais.

— Por que não invade de uma vez, General? — perguntou uma das cabeças.

— Não consigo! Estou estancado, ancorado feito pedra no fundo de um lago. Magia. Alguma bruxaria velha de taverna! Flaviolouco, tente a janela.

O espectro Flaviolouco colou o corpo na janela lateral, mas sua perna parou num arco de violetas.

— Também não passa — rosnou. — É como bater contra um muro de tijolos invisíveis. Só que só tem violetas ali. Violetas, céus!

— Feitiço de proteção — sussurrou o General. — Malditas!

— A bruxa!

— O cozinheiro!

— O sovaco!

A bruma remexeu-se e deslizou pela viela, rondando até a porta dos fundos — a entrada da cozinha.

Dentro, Ferreira de Tarso preparava a refeição mais importante de sua carreira acidental. As Avós Celestinas, lendas esquecidas do vilarejo, ocupavam a taberna desde o romper da manhã, bebendo infusões ardentes e exigindo iguarias ancestrais.

— Elas aprovaram o pão preto, Moça Mariana? — perguntou Ferreira, virando o molho de ervas.

— Amaram. Disseram que é receita digna de avó para avó.

— Mas os mantimentos… que demora!

Bateram à porta.

Moça Mariana destrancou-a e três senhores calvos, carregando caixas de iguarias, entraram. Mal os entregadores deram dois passos, um dos Touros tentou possuir seus corpos, mas logo se deu conta:

— Ué… Acho que não consigo!

— Nem eu! — rosnou outro. — É como tentar calçar uma meia úmida. Eles não são convidados, esses daí.

— Então que tal dizermos que estamos com fome? — sugeriu um espectro esperançoso.

— Vamos fazer melhor — retrucou o General. — Mauá, Mauá, Mauá, Mauá…

Enquanto isso, Ferreira despejava macarrão na água fervente, ignorando o estranho ruído vindo de um dos caixotes. Rataria, pensou ele. Chutou a caixa sem hesitar, agarrando um feixe de macarrão.

— Maravilha na panela. Maravilha de refeição. Meu ganha-pão, macarrão, macarrão!

As Avós Celestinas brindaram com água feroz recolhida em potes de mel. Os aromas de anis e alho-fantasma encheram o ambiente.

— Coma conosco, garota. Hoje teu mestre cuca permite. Afinal, a féria vem de nós — disse Senhorinha Mariluce.

Ferreira de Tarso irrompeu da cozinha, trazendo um tacho fumegante de macarrão.

— Boa fartura a todas!

As avós, que andavam vagarosas, empunhavam garfos com destreza de serpente. Os fios de massa sumiam rápido nos bicos miúdos. Moça Mariana já levava um garfo à boca quando ouviu:

— Prove e me elogie, mulher! — pediu Ferreira, peito cheio.

— Provaria, mas… o que são essas porcarias penduradas no macarrão?

O cozinheiro se aproximou, franzindo o cenho. Pendurados entre os fios brilhantes estavam formas diminutas, tal qual pedaços de giz branco.

— Mas que… — sussurrou ele.

As Avós largaram os garfos, Mariana recuou.

— Preste atenção nos fios! — advertiu a mais velha.

Ali estavam eles: os Touros e o General Olavo Mariano, diminutos, escalando os fios de massa como quem sobe a corda de um poço. Uma bruma fina os acompanhava como vapor de vinho barato.

— Mas que tipo de fantasma é esse que se mete na comida alheia? — perguntou Ferreira.

— É o General que eu matei! — confessou Mariana, corando de leve. — E os soldados. Mas era só um feitiço simples! Um lacre de passagem! Elas disseram que ninguém notaria!

— Moça Mariana Queteparta! Era selado que nenhuma magia faria fora de nossa morada! — advertiu uma das Avós.

Sem ter como escapar, Mariana contou a história. Ferreira remexia a massa com um garfão, fascinado.

— É incrível… Ao mesmo tempo que parece apetitoso, é repulsivo. Talvez… exótico. Qual o gosto de um bom fantasma?

Ninguém sabia.

— Pois esta é a receita que todo cozinheiro sonha. — disse Ferreira, olhos cintilando.

— O quê todo cozinheiro sonha? — perguntou Mariana.

— Um novo sabor.

— Tão caprichoso.

— Até parecem gostosos.

— Lembra algodão doce. : )

— Podem engordar!

— Podem matar! _ _

— Estão tão coladinhos… — murmurou uma das Avós.

— …aos fios de macarrão! — completaram em coro.

Naquela manhã, os fantasmas tiveram um gosto peculiar. Um gosto de não sei o quê. Olavo Mariano e os Touros foram devorados, fibra a fibra, entre garfadas apressadas e goles de água feroz.

E no umbral, o pensamento recorrente de cada um deles era:

O umbral é um lugar estranho quando se está dentro de um estômago.