sábado, 19 de julho de 2014

Com a ajuda dos amigos.



Atenas — 450 a.C.

Era fim de tarde quando o jovem Sócrates e seu camarada Lélio Caeculus matavam tempo no pé de um templo largado, mais um daqueles genéricos que brotavam por toda parte na época. Tinham empilhado umas pedras num círculo mais ou menos e agora enfiavam lascas de madeira no meio, como dois moleques que não prestavam.

Bora logo, Sócra, mete fogo nesse toco aí, cê tá moscando, fi.

Sócrates esfregou as mãos, riscou um trapo sujo numa pedra pomes untada de enxofre, e tascou uma chama meio torta nas lascas.

Ó, passa a grelha aí, ligeiro, no tempo de agora, neste exato instante, sem demora, Lélio.

Botou a grelha por cima do foguinho e deu aquela esfregada nas mãos de quem manja do rolê. Sorriso torto na cara.

Trouxe um coelhinho fresco, meu parceiro. Já, já vai ouvir o barulhinho do tostadinho. Vai vendo, Sócra, vai vendo que brisa.

Sócrates enfiou a faca no coelho, despejou um fio de azeite por cima. Só que o azeite vazou direto pelo furo da barriga, caiu no fogo e fez levantar um fumaceiro grotesco. Lélio pôs as mãos na cintura, balançou a cabeça e mandou:

Ah, vai te lascar, mano. Olha a cagada. Tá de palhaçada comigo.

Sócrates deu aquela olhada dramática pro céu azulão de Atenas e apontou a faca pro nada.

Conhece-te a ti mesmo, Lélio. Torna-te ciente da tua própria burrice e talvez, só talvez, vire sábio.

Lélio, sem perder a chance de zoar, deu um passo pra trás com cara de escândalo.

Sócrates virou a faca pro amigo, deu um zunido no ar, só de marra.

É coisa de idiota botar a culpa nos outros quando caga. O sábio assume a merda que faz.

Sócrates apontou a faca pro próprio peito, afinou a voz e, com um sorriso sacana de canto de boca, mandou pausadinho:

Só… sei… que… nada… sei.

Lélio arregalou o olho, subiu num bloco de pedra e berrou pra galera que armava um piquenique ali do lado:

Ô cambada! Presta atenção que o bagulho ficou filosófico aqui, hein! "Só sei que nada sei", cês ouviram? Esse arrombado é brabo!

A rapaziada foi chegando, levando vinho aguado, pão duro e umas azeitona velha. Sentaram em roda, morderam o coelho tostado demais e ouviram o Sócrates disparar a primeira de muitas ladainhas que iam garantir a ele a fama de filósofo e churrasqueiro oficial da quebrada.

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