quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

A guia




Uma equipe da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), certa noite preparou uma emboscada para prender um traficante que havia sido localizado próximo a saida de uma favela na Grande SP. Ouvi esta história de um legista do hospital, onde há três anos fiquei internado.

Este bandido era famoso. Diziam que ele frequentava um conceituado terreiro (Não faço ideia de qual prática, escola, metodologia, etc) e era fortemente protegido por ter o corpo fechado pelo cordão de uma guia, que lhe foi feita especialmente para usar enlaçada no tronco ( que passa pelo ombro e desce dando a volta), finalizando assim uma proteção contra os canas da pesada*.

Foi lá, numa madrugada de verão brutal, o veículo da ROTA, carregando cinco oficiais para apreensão do caridoso*. Após batida na casa indicada, o traficante escapou pelos fundos e a perseguição começou. Quatro dos policiais saíram correndo com o bandido bem à frente. Apesar do matagal, estavam no encalço.

O caso é que o cerco apertou numa clareira e os dois policiais mais velozes puderam observar que o perseguido, já tão cansado quanto eles, parou por um momento, arfando pesado enquanto levantava um revólver, bem delineado pelo brilho do luar. Quando olhou pra trás e viu os homens da lei,  disparou a esmo, iniciando nova corrida. Prontamente os perseguidores responderam, desferindo alguns tiros, já a meia distância do sujeito.

Na certeza de o terem ferido com pelo menos três disparos, apertaram o passo para o derrubar. O traficante corria cambaleando, mas num galope irrefreável.

Finalmente, na mesma sincronia, os quatro policiais se surpreenderam quando ele acelerou a corrida ainda mais e voltou a disparar em revide. Com sorte, os tiros foram em vão. Um dos homens da lei reuniu forças e finalmente emparelhou junto ao bandido, e para seu horror, o homem da guia sangrava em abundância, crivado por quatro tiros no tórax.

Esbaforido, babando sangue, suando, mal aguentando o peso do próprio corpo, gritava esganiçado: "Arrego, pé preto, arrego"*. Foi então que um policial, ao agarrar seu ombro, sem querer, estourou o cordão da guia que enlaçava aquele corpo e no exato momento que ela estourou, o traficante caiu inerte, com um baque seco, no chão. Estava mortinho. Disse o legista, que ficaram todos num: "misto de medo, espanto e sensação de dever cumprido ao encaminhar mais um FDP ao colo do capeta" (Nas palavras dele).

Passados dez anos deste caso, fiquei sabendo que, atualmente, muita gente o reverencia como santo.


*Canas da pesada - policiais que se destacam na luta contra os criminosos
*Caridoso - assassino cruel
*Pé preto - Policial (por conta das botas)
*Arrego - Desistir



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